Propósitos e ilusões

Uma maneira considerada boa e privilegiada de educar filhos e alunos, de gerenciar situações e consequentemente realizar desejos, é estabelecer objetivos, estabelecer propósitos e assim criar caminhos, condições de realização do pretendido. É exatamente neste criar condições que se estabelecem os melhores caminhos, as menores distâncias e por conseguinte, se simplifica a pluralidade de interseções, se simplifica as inúmeras variáveis, criando segmentos lineares, determinantes de posicionamentos dos propósitos.

Ao estabelecer as melhores condições para realizar um objetivo, dicotomiza-se, corta-se estruturas para que se adaptem, para que sejam do tamanho do sonhado, do desejado e com esta atitude, minimiza-se, diminui-se o pretendido. Representações começam  a significar, eventos de comemorações são mais significativos do que o que se comemora, a função encobre e pretende substituir seus estruturantes. Na clínica psicológica diária nos deparamos constantemente com questões de aparência, de significado, representando, cobrindo e gerando problemas: justificativas de sobrevivência, por exemplo, encobrindo o ser, o existir relacional.

Empreendimentos e propósitos geram estratégias suportadas por determinação e metas paradoxalmente criadoras de ilusão. É como se os relacionamentos e motivações fossem mantidos para exercer grandes realizações. Vive-se para realizar, para conseguir, enfim, para ocupar “um lugar ao sol”. Atingir finalidades obriga sempre a transformar o cotidiano em passagem, em suporte. Esta busca do pretendido cria ilusões: desde o “viver para casar” do século passado, às persuasões empreendedoras capazes de tudo atingir, características de nossos dias.

A busca, a realização com meios eficazes, se torna alienante, desde que referencia os processos relacionais no que se busca, na meta, geralmente, comprobatória de não aceitação, medos e dificuldades. Sistemas de convergência (propósitos) sempre alienam ao fragmentar processos.

É preciso criar disponibilidade ao educar, ao gerenciar e ao realizar desejos. Basta olhar em volta e perceber a mutabilidade, a impermanência resultante da continuidade processual, que impede o estabelecimento de propósitos genéricos e determinados, propósitos estes que só existem como ilusões e metas deslocadas, soluções mágicas, consequentemente defasadas.




- “Supercrítico” de Rem Koolhaas e Peter Eisenman


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