Sem alternativas

Limites extremos são aqueles nos quais em situação de total impotência, sem alternativas, o indivíduo tem que escolher a destruição de sua própria vida. Nem sempre as dificuldades se colocam como alternativas entre “a bolsa ou a vida”. Às vezes, ou se joga no abismo, ou desmaia, ou cai nas garras do perseguidor. Tentar mudar o panorama que aflige, que promete destruir é possível quando se imagina transformar o agressor, o redutor de alternativas, em uma possibilidade de diálogo. Esta atitude mágica, pois considera situações não existentes - o diálogo por exemplo - geralmente não funciona, salvo se significar confundir, jogar areia nos olhos do que está diante. Apostar no impossível pode remover obstáculos ao gerar uma atitude diferente de passividade, de medo. Fazer surgir interlocução é tentar obrigar o outro a ser diferente do que ele se propõe, criando interatividade. Isto gera mais raiva, mais agressão ou elastece os limites, permitindo reconfigurações.

Em certo sentido, esta atitude de transformar a realidade, transformar o limite e o impasse é exercida quando se ignora os acontecimentos através de afirmações como “faz de conta que não está acontecendo”, “é sonho”, equivalente ao abrupto acordar de um sonho difícil, lesivo, que não oferece saída. A reestruturação da configuração que se dá, nem sempre depende do indivíduo, embora sempre dependa dele as maneiras de percebê-la, enfrentá-la, aceitá-la ou negá-la.

Situações como “você vai morrer”, “escolha entre veneno ou tiro”, “não há outra saída”, nem sempre são vivenciadas como impasses. Quando existe lucidez, ela permite deter-se no que ocorre para produzir magia, golpe de mestre, pulo do gato. Quando não há lucidez e se implora para que o que acontece não aconteça, se tenta cobrir com  “faz de conta” o que está acontecendo. Perceber o que está acontecendo com nitidez permite mudar, permite o inesperado. Perceber o que ocorre ambígua e nebulosamente faz cair, quebrar a cara na realidade dura e concreta que se apresenta.

O questionamento, a terapia, o diálogo com o outro transformam o sem saída, transformam o impasse em abertura e perspectiva de vida. O importante é não negar o que se percebe, não negar o drama e o desespero gerados.




“O ano em que sonhamos perigosamente”, de Slavoj Zizek

verafelicidade@gmail.com

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