Encaixes

Para certas pessoas, para certos indivíduos, a única coisa a ser feita é encaixar-se, adaptar-se, adequar-se ao que vier. A redução à sobrevivência, às necessidades básicas, é a atitude que caracteriza estas pessoas. Como se consegue esta redução das dimensões psicológicas, das dimensões relacionais, aos aspectos puramente orgânicos da sobrevivência? Ter passado fome, ter passado dificuldades, ser uma pessoa desconsiderada, tratada frequentemente como escória, nada significando, faz buscar um alento, o alimento, o afago - mesmo que humilhante - é a única saída vislumbrada. Vidas adequadas são vidas encaixadas. Este transformar-se em peça da engrenagem, validade compromissada e apta para alívio, “felicidade líquida” (como conceitua Zygmunt Bauman), identifica consumidores e consumidos. Neste contexto, viver é adequar-se ao que parece dar bom resultado e evitar o que pode causar distúrbio ou massacrar sonhos. Mulheres que apanham (para que a família continue mantida); seres que se prostituem para saciar fome, realizar desafios, atingir quem sabe - como às vezes pensam - o poder, através de “alguém que os tire da lama”, é um desejo constante encontrado nestas vidas despersonalizadas, submissas. Tudo é suportado, contornado, aproveitado para que os encaixes se realizem. E assim, os processos de sobrevivência geram muita ansiedade, muito medo - omissão -, desde que não existe um mínimo de autonomia.


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