Curar e ajustar - amordaçamento da subjetividade
Salvação da família, da propriedade, "cura gay" traduzem desejos de comprometidos, atitudes restritivas que, girando em torno dos critérios de ajuste e mais-valia, ameaçam a liberdade, desumanizam e alienam. A discussão dos últimos dias em torno da Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) - que determina a atuação de profissionais da Psicologia quanto à orientação sexual -, a reivindicação de que ela seja restringida, estabelecendo a possibilidade de tratamento psicológico para reversão de orientação sexual, é um exemplo desse comprometimento. Essa discussão é universal, atualmente atinge uma abordagem mais ampla que engloba questões de gênero, identidade, transexualidade etc. e voltarmos, hoje no Brasil, ao ponto em que estávamos há três décadas, além de ser uma infração de leis agora existentes, é um retrocesso que nada têm de preocupação científica como alegam os defensores da reversão da orientação sexual. Como bem disse o Presidente do CFP, Rogério Giannini, pesquisas sobre sexualidade humana nunca foram reguladas por nenhum Conselho de Psicologia e dentro das Academias obedecem os ditames da ética aplicada a qualquer pesquisa que envolva seres humanos, em qualquer disciplina.
Visões psicológicas pragmáticas e subordinadas aos valores de manutenção de regras econômico-sociais reduzem o ser humano a rótulos e ajustes. Nelas não existem subjetividades, o que existe são pessoas fora da regra, fora dos padrões, tanto quanto pessoas ajustadas aos mesmos e ainda outras que precisam ser encaixadas no que pensam ser para o bem ou para o certo.
Pessoas não são objetos, suas vontades e determinações resultam de motivações. Admitir que estar "fora da ordem", das regras ou das leis é estar doente, é um reducionismo impossível de ser suportado, mesmo em abordagem medicalizante.
No mínimo, de 25 em 25 anos, conceitos, atitudes e vivências são transformadas, em virtude de novas perspectivas e novos limites. Era frequente na geração passada, por exemplo, cuidar de mulheres grávidas como se fossem incapacitadas para uma série de coisas, até que se percebeu que gravidez não é doença. Dizer que homossexualidade é doença implica em atitude ignorante, aliciante, própria dos que vivem em pequenos espaços gerados e mantidos pelos preconceitos, pelo medo de perder etiquetas vendáveis, identificatórias de segurança. A reivindicação de tratamentos voltados à reorientação sexual é nitidamente pautada em preconceito e engano, que persistindo, abrirá precedente para diversas ações questionáveis e perigosas (como direcionamento comportamental, ajuste, subordinação a autoridades ou à ideologias e à ditames familiares etc.) não só quanto à sexualidade, mas quanto a qualquer área do comportamento humano. Juntamo-nos ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) e também o parabenizamos pela posição em defesa dos princípios éticos da Psicologia e de sua consistência teórica, assim como em defesa dos Direitos Humanos.
Psicologia e psicólogos existem para desenvolver e ampliar as possibilidades e potenciais humanos, não existem para classificar e muito menos para ser capatazes-curadores. Identificação de doença, redução de vivências, de perspectivas existenciais e motivações individuais à critérios nosológicos não condiz com psicoterapia. Para o psicólogo, existem indivíduos que realizam suas motivações, seus desejos, estão felizes, se aceitam e existem os que não se aceitando buscam proteção em ajustes, em rótulos que os permitam sobreviver; isso acontece em quaisquer comportamentos, inclusive nos sexuais.
As psicoterapias resgatam individualidades e para o psicoterapeuta não existem negros, brancos, homossexuais, bissexuais, transexuais, homens ou mulheres. Simone de Beauvoir já falava: "não se nasce mulher, torna-se mulher". Ela cunhou essa expressão ao explicar as questões de autoritarismo e alienação social, mas, essa ideia de tornar-se, esse devir é fundamental na psicoterapia e na compreensão das relações existencialmente estabelecidas e que, consequentemente, quer se queira, quer não, são as bases e alicerces das sociedades.
Também nas religiões que lidam com a transcendência se sabe que alma não tem sexo, que sexualidade nada mais é que metabolismo ou realização de motivações possibilitadoras de encontro quando não destroem ou ofendem o outro. O comportamento invasor e violento pode acontecer no contexto de qualquer orientação sexual, seja ela homo ou heteroafetiva. Quando a sexualidade é exercida de forma doentia? Quando ela invade, obriga, desrespeita, agride o outro: pedofilia, estupro, violência etc.
Visões psicológicas pragmáticas e subordinadas aos valores de manutenção de regras econômico-sociais reduzem o ser humano a rótulos e ajustes. Nelas não existem subjetividades, o que existe são pessoas fora da regra, fora dos padrões, tanto quanto pessoas ajustadas aos mesmos e ainda outras que precisam ser encaixadas no que pensam ser para o bem ou para o certo.
Pessoas não são objetos, suas vontades e determinações resultam de motivações. Admitir que estar "fora da ordem", das regras ou das leis é estar doente, é um reducionismo impossível de ser suportado, mesmo em abordagem medicalizante.
No mínimo, de 25 em 25 anos, conceitos, atitudes e vivências são transformadas, em virtude de novas perspectivas e novos limites. Era frequente na geração passada, por exemplo, cuidar de mulheres grávidas como se fossem incapacitadas para uma série de coisas, até que se percebeu que gravidez não é doença. Dizer que homossexualidade é doença implica em atitude ignorante, aliciante, própria dos que vivem em pequenos espaços gerados e mantidos pelos preconceitos, pelo medo de perder etiquetas vendáveis, identificatórias de segurança. A reivindicação de tratamentos voltados à reorientação sexual é nitidamente pautada em preconceito e engano, que persistindo, abrirá precedente para diversas ações questionáveis e perigosas (como direcionamento comportamental, ajuste, subordinação a autoridades ou à ideologias e à ditames familiares etc.) não só quanto à sexualidade, mas quanto a qualquer área do comportamento humano. Juntamo-nos ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) e também o parabenizamos pela posição em defesa dos princípios éticos da Psicologia e de sua consistência teórica, assim como em defesa dos Direitos Humanos.
Psicologia e psicólogos existem para desenvolver e ampliar as possibilidades e potenciais humanos, não existem para classificar e muito menos para ser capatazes-curadores. Identificação de doença, redução de vivências, de perspectivas existenciais e motivações individuais à critérios nosológicos não condiz com psicoterapia. Para o psicólogo, existem indivíduos que realizam suas motivações, seus desejos, estão felizes, se aceitam e existem os que não se aceitando buscam proteção em ajustes, em rótulos que os permitam sobreviver; isso acontece em quaisquer comportamentos, inclusive nos sexuais.
As psicoterapias resgatam individualidades e para o psicoterapeuta não existem negros, brancos, homossexuais, bissexuais, transexuais, homens ou mulheres. Simone de Beauvoir já falava: "não se nasce mulher, torna-se mulher". Ela cunhou essa expressão ao explicar as questões de autoritarismo e alienação social, mas, essa ideia de tornar-se, esse devir é fundamental na psicoterapia e na compreensão das relações existencialmente estabelecidas e que, consequentemente, quer se queira, quer não, são as bases e alicerces das sociedades.
Também nas religiões que lidam com a transcendência se sabe que alma não tem sexo, que sexualidade nada mais é que metabolismo ou realização de motivações possibilitadoras de encontro quando não destroem ou ofendem o outro. O comportamento invasor e violento pode acontecer no contexto de qualquer orientação sexual, seja ela homo ou heteroafetiva. Quando a sexualidade é exercida de forma doentia? Quando ela invade, obriga, desrespeita, agride o outro: pedofilia, estupro, violência etc.
Viver é ultrapassar limites, é realizar possibilidades - isso é saúde. Doença é o posicionamento para verificar vantagens e desvantagens, é o como se apoderar do poder para manobrar e rotular pessoas, utilizando, inclusive, ferramentas sociais e legais.
É histórico, o fato de que toda ditadura espoliadora do humano cria rótulos, discursos e narrativas: lembram de Hitler? Com as estrelas amarelas para marcar os judeus, os triângulos rosa para marcar os homossexuais masculinos, triângulos pretos para homossexuais femininos e os triângulos vermelhos para marcar os comunistas? E "a arte degenerada" por ele rotulada e proibida? Essa arte nada mais era que liberdade e expressão que foi cerceada. Pensem na recente exposição de artes plásticas fechada pelo patrocinador, o Banco Santander, pois os quadros não agradaram parte da população! E os idos 1964, os anos da ditadura nos quais até peças teatrais e músicas eram escrutinadas segundo os critérios do que era bom para a família e do que ia garantir a Segurança Nacional. Tempos sombrios são instalados quando critérios limitados e preconceituosos reinam.
Não cabe a psicólogos direcionar clientes a este ou aquele comportamento, em nenhuma esfera de suas vidas. Cabe ao psicólogo identificar o núcleo da não aceitação e questioná-lo. Perceber e propiciar expressão - e não o amordaçamento de subjetividades - é o objetivo da psicologia enquanto variável configuradora do social.
Para quem se interessar por mais leituras sobre esse tema, nos meus dois primeiros livros, publicados nos anos 70, abordei a questão da sexualidade humana e mais recentemente em dois artigos publicados em revistas:
É histórico, o fato de que toda ditadura espoliadora do humano cria rótulos, discursos e narrativas: lembram de Hitler? Com as estrelas amarelas para marcar os judeus, os triângulos rosa para marcar os homossexuais masculinos, triângulos pretos para homossexuais femininos e os triângulos vermelhos para marcar os comunistas? E "a arte degenerada" por ele rotulada e proibida? Essa arte nada mais era que liberdade e expressão que foi cerceada. Pensem na recente exposição de artes plásticas fechada pelo patrocinador, o Banco Santander, pois os quadros não agradaram parte da população! E os idos 1964, os anos da ditadura nos quais até peças teatrais e músicas eram escrutinadas segundo os critérios do que era bom para a família e do que ia garantir a Segurança Nacional. Tempos sombrios são instalados quando critérios limitados e preconceituosos reinam.
Não cabe a psicólogos direcionar clientes a este ou aquele comportamento, em nenhuma esfera de suas vidas. Cabe ao psicólogo identificar o núcleo da não aceitação e questioná-lo. Perceber e propiciar expressão - e não o amordaçamento de subjetividades - é o objetivo da psicologia enquanto variável configuradora do social.
Para quem se interessar por mais leituras sobre esse tema, nos meus dois primeiros livros, publicados nos anos 70, abordei a questão da sexualidade humana e mais recentemente em dois artigos publicados em revistas:
"Comportamento Sexual - Acertos, contratos, preconceitos", na WSImagazine (https://wsimag.com/pt/bem-estar/17474-comportamento-sexual)
"Sexualidade Humana - Aspectos psicológicos", no Boletim da SBEM - Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional Bahia/Sergipe (em pdf no Researchgate - https://www.researchgate.net/publication/317784044_Sexualidade_Humana_-_Aspectos_Psicologicos)
Muito bom seu artigo. Li esta semana na revista 1843 publicada pela Economist o artigo' When girls won't be girls' que descreve o que acontece com os jovens atualmente. O espírito humano nunca será aprisionado embora aconteçam retrocessos como o que você menciona - isso com as pessoas que vereiam entender o Humano. https://www.1843magazine.com/features/when-girls-wont-be-girls
ResponderExcluirUm aspecto obscuro quase nunca mencionado é o efeito do aumento de homens gays congênito causado por ftalatos, agrotóxicos, bus-fenóis, anti-concepcionais, e outras substâncias semelhantes ao estrógeno (não que isso seja a causa única e preponderante, mas é importante). Essas substâncias são ruptores endócrinos e estamos imersos nelas, em um sistema em que as empresas produtoras de produtos químicos e farmacêuticos faturam bilhões de dólares. Um programa da BBC antigo 'Assault on thee Male (Agressão ao Homem) já relatava tudo isso. https://www.bing.com/videos/search?q=assault+on+the+male&view=detail&mid=F1C1F1C16872B7B4938CF1C1F1C16872B7B4938C&FORM=VIRE
Bom dia Augusto, só vi seu comentário agora.
ResponderExcluirPesquisas nem sempre realizam o que se propõem, pois podem estar cheias de bias e objetivos outros. Admitir esta pesquisa que você cita implica em reducionismo, visão jamais adotada por mim.
Neste artigo por mim postado, no final viabilizei alguns trabalhos meus referentes ao assunto, é só consultar.
Abs.