Abandono
Situações de abandono se caracterizam por desespero, desamparo, perda de perspectiva, medo e desolação por parte de quem é abandonado. A irreversibilidade dessa situação é vivenciada como perda, falta e fatalidade.
Surpresa abrupta caracteriza o sentir-se abandonado e é geralmente expressa pela sensação de sentir fugir o chão dos pés. É o desamparo, a perda de referências e de apoio. É ficar perdido no incomensurável instante do nítido desaparecimento.
Nas separações de casais, geralmente o abandono é vivenciado com desespero substituindo os apoios desmantelados, com a estranheza, a vivência da rejeição, a recusa a aceitar a nova realidade imposta, assim como a raiva ou a depressão. O “olhar de adeus” * que gera descrença, que quebra todas as certezas, atormenta e cria desejos de vingança. “Que a saudade é o pior castigo” ** exprime nitidamente o vazio causado pelo abandono, pela falta.
Nas organizações e comunidades a ruptura gerada pelo desaparecimento de um membro é sempre desestabilizadora, tornando-se verdadeira crise se o desaparecimento ou o abandono for de quem lidera. A sensação de desamparo, a perda de perspectivas, a insegurança que surge da falta de liderança, o estado de suspensão, que em si exige atitudes e determinação para o retorno da estabilidade, tudo isso é experimentado dolorosamente.
Nas figuras mitificadas, só por meio da personalização é possível ver a cara, o ríctus, a fisionomia do líder, do mitificado, e assim personalizar movimentos e gestos configuradores do abandono. É o ficar no mesmo nível que permite a mudança, que faz encarar o outro não mais como o escolhido, o representante de todos os sonhos que o transformaram em um super ser, mas sim como um ser que determina independente de sua comunidade, consequentemente que não pode mais ser obedecido, já não lidera, já segue outros caminhos, não mais polariza.
Ser abandonado é sentir traídos e negados todos os acertos, todos os sonhos, todos os votos. Equivale a interromper o que não foi gerado, a cultivar o descartado. Aceitar o abandono é aceitar as falhas, finitude e enganos do outro.
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* “Atrás da porta”, de Chico Buarque
** “Pedaço de mim”, de Chico Buarque
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