Equilíbrio - Balança e Verificação

Egito: Anúbis no Juízo Final (papiro)

 
Pesar implica em usar balança e pesos. Os sistemas de aferição são necessários para verificação e circulação de mercadorias e nesse sentido poderíamos dizer que o peso é a alma do negócio.

A ideia de pesar, medir, avaliar é frequente em várias civilizações que nos antecedem e são bem ilustrativos os mitos ritualizados e realizados no Egito, na India e na Suméria, mediados pelo conceito de medir e de constatar pela balança.

Os egípcios pesavam os pecados e as virtudes do morto no juízo final presidido pelo deus Anúbis que, levantando uma balança, colocava em um prato o coração do morto (o coração, para eles, era a sede da consciência) e no outro prato uma pena (a pena era o símbolo da verdade) enquanto a pessoa que acabara de morrer pronunciava sua declaração de inocência. Na India, oferecer ao deus o próprio peso em ouro, como faziam os reis, ou em grãos, como faziam os camponeses é uma prática descrita em vários épicos, como o Mahabharata por exemplo, e até hoje esse ritual - Tulabharam - é praticado na India do Sul, e nele se pode oferecer o próprio peso em cereais, pedras preciosas, enfim, o que se dispõe ou se promete às divindades. Descrições de ritual semelhante a esse encontra-se na literatura suméria também.

A ideia de peso ainda é muito próxima da ideia de justiça: aferir adequadamente os dois pratos da balança, os dois aspectos do erro, do acerto, da culpa, do crime, da absolvição, da condenação. O pensamento mítico, na Grécia, é revelador de fatos sociais e institucionais. Nele encontramos a história de um rei que ditava a justiça com a balança: Minus, rei de Creta. Esse rei teve grande difusão no pensamento ulterior - em todo o Ocidente - ao presidir o julgamento feito no Hades, no qual, buscando eternizar a verdade, buscando ser um rei justiceiro, colocava os malfeitos do morto em um prato da balança e as boas ações em outro, e essa medida - o resultado do peso dos pratos - determinava o caminho de expiação ou absolvição.

Atualmente todas essas histórias míticas ficam para a contemporaneidade como sinônimo de equilíbrio e a partir daí o importante é ter equilíbrio, é ser equilibrado, saber pesar os prós e os contra, pegar o caminho do meio, não desviar. Isso é o bom, é saber dosar, de tudo um pouco, não cair, não radicalizar, não desequilibrar. Esse mecanicismo causalista cria regras educacionais e societárias, reflete inclusive nas leis nas quais matar apenas uma pessoa pode ser não doloso, mas a frequência e continuidade dos assassinatos configura o serial killer.

O quantitativo, a frequência, o resultado são os imperadores de nossos dias. Tudo é contado, medido, avaliado, pesado. Acontece que ser medido, buscar equilíbrio é uma forma de alienar o humano, nada pode ser calculado, determinado, medido ou pesado enquanto essência humana.

Equilíbrio é uma finalidade, um desejo, uma motivação que deve ser exilada do universo individualizante - da individualidade - contexto no qual não há parâmetros. Nesse contexto a unidade vigora. Comparar, medir já transforma o ser humano em facticidade necessária, porém não configuradora de sua humanidade. Constantes avaliações estabelecem critérios de pode/não pode, deve/não deve, é bom/é ruim, criando regras e padrões sub e super dimensionantes do humano.

O ser humano que cabe em si mesmo se humaniza quanto mais isso realiza, e se desumaniza quando busca equilíbrio, adaptação, encaixe, desde o “caminhar no fio da navalha” até o caber em seus próprios condicionantes sociais e familiares.

Em psicoterapia, buscar o equilíbrio é buscar adaptação e ultrapassar essa pesagem avaliadora é possibilitar transformação.


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