Aleatoriedade
Sempre que há uma expectativa fundamentada em continuidade de processos estruturam-se certezas decorrentes das sequências processuais. Somente o aleatório quebra essa continuidade consistente.
As características de consistência e aleatoriedade variam conforme os sistemas que as estruturam. É totalmente aleatório chover em desertos, tanto quanto é aleatório soluções humanitárias em regimes ditatoriais. Quanto menos consistente é a pluralidade dos sistemas, mais porosidade e possibilidade de outras configurações o invadirem. Nesse sentido são exemplares as atitudes individuais, às vezes heróicas, formarem sistemas de resistência aleatórios, pois não são previsíveis. Zumbi dos Palmares e Tiradentes são individuações aleatórias diante da sistemática opressão escravagista e colonizadora, mas, como polarizantes dos submetidos, dos desconsiderados, quanto mais essa polarização cresce, mais se sistematiza consistentemente a fabricação de heróis.
Thomas Szasz - psiquiatra defensor da psiquiatria anti coercitiva - quando fala dos processos institucionais fabricadores da loucura é exemplar ao mostrar as mudanças propiciadas pelo dado aleatório. De tanto proibir relacionamentos da filha com amigos, por exemplo, chega o momento no qual não se entende porque a mesma não conversa, não come, tem surtos e delírios, enlouquece, segundo os padrões da família.
É o cisco no olho, é o bumerangue surpresa que, às vezes, propicia mudança. A gota d’água, ou ainda, a mesmice do garantido cria contradição, revela pontos de opressão, que também são de cisão, responsáveis por quebras, fraturas interrogadoras do porquê, do para quê e, assim, novos processos surgem.
O aleatório é sempre o denunciante da desordem ou da ordem; é pergunta que desestabiliza ou resposta que cada vez mais acomoda pela fragilidade, pelo fiapo exposto que tem que ser cortado. Tessituras existenciais podem transformar o acaso, o inesperado, em novo padrão, algoritmo que referencia e determina cogitação, formulação e reformulação.
O processo tudo dinamiza, nada é estático. O aleatório de uma sequência é também o previsível de outra sequência. Nessas diversificações se estruturam as motivações, decisões, dificuldades, medos, dramas e frustrações humanas. Viver em função de expectativas, de metas, é sempre esvaziador: cria buracos, abismos que engolem sonhos, desejos e possibilidades.
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