Superstição




Não apreender as relações configurativas dos processos e não querer sofrer suas consequências gera comportamentos medrosos e ansiosos. Esse medo e ansiedade são locais desejados e perfeitos para aninhar, congelar e manter superstição.

Bater na mesa e a luz acender faz com que alguém que assista algumas vezes esse acontecimento passe a pensar que o bater na mesa fez a luz acender, sem sequer pensar em como isso acontece. Se aparece alguém que ao ver o acontecimento - luz acendendo depois de batidas na mesa - se pergunta como isso acontece, tal pessoa fica sabendo ou supõe que existe um interruptor, um mecanismo na mesa responsável pelo acender da luz. Essa suposição pode parecer correta, mas pode não o ser, desde que apenas é parte da explicação de porque a luz acende. Bater na mesa pode ser o som que avisa alguém a disparar o acender da luz, ou ainda, pode ser o mecanismo que aciona outro mecanismo que faz a luz acender.

Regularidade e frequência não determinam o que acontece, já dizia Kurt Lewin ao criticar as explicações do que ele chamava Teoria de Classe. Na visão de classe os conceitos são elaborados - como eram na física de Aristóteles - por meio da regularidade tomada no sentido da frequência dos acontecimentos (Teoria de Classe) nos quais a classe arbitrariamente definida se transforma na característica do objeto, do fenômeno que se quer explicar. Na visão de campo (Teoria de Campo) os conceitos são elaborados pela visão unitária da totalidade do universo - como na física de Galileu - e regularidade e frequência não fundamentam o determinado, ou ainda: “por um fato ocorrer mil vezes não quer dizer que, necessariamente, ele ocorra a milésima primeira vez”. São clássicas as explicações aristotélicas por meio de tipos e categorias; sem conhecer a Lei da Gravidade, ele dizia que a pedra jogada no espaço voltava à Terra pela sua natureza terrena, e a folha flutuava pela sua natureza celeste, por exemplo. Mais tarde esses mesmos fenômenos são explicados pela Lei da Gravidade e assim classes e tipos desaparecem. Encontramos presença preponderante da Teoria de Classe nas explicações freudianas: é próprio da criança, pela natureza humana, pelo seu apego à mãe, nutrir ambivalências, até mesmo ódio em relação ao pai (complexo de Édipo).

De tanto implorar, rezar e pedir, as pessoas acreditam e esperam cura, tranquilidade e solução de problemas. É uma atitude supersticiosa, desde que se considera que o fenômeno A foi causado pelo fenômeno B, que por sua vez decorreu da intervenção de C, ou seja: A = necessidade satisfeita que foi causada pela intervenção de divindades (variável B), que por sua vez decorre de compromissos, das promessas configuradoras da variável C.

Respirar fundo e tudo ficar bem, fechar os olhos e a tranquilidade chegar, concentrar no japamala, segurar o patuá, beijar o rosário e a cruz protetora e se acalmar, tudo isso são senhas, superstições, e assim, quando esse indivíduo se pergunta por que tudo isso acontece, conclui que é por ser perdoado, ser merecedor. O autorreferenciamento, o desejo, a expectativa são os constituintes que tudo movimentam nesse quadro de desejo, frustração e ansiedade expectante. A autonomia é corroída, a impotência é transformada em onipotência que tudo consegue desde que acredite, prometa e cumpra as suas promessas. O desenvolvimento desse processo cria medo, omissão, nada enfrentar e esperar que tudo seja resolvido pela providência divina, ou ainda, em outras esferas, é o que se consegue com os padrinhos, as carteiradas, as compras de direito e imunidade, e nesse último caso, a autonomia se esvai na crença e compromisso com o poder, amigos, dinheiro, resultando também em deprimidos e pervertidos.


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