Causalidade




Perceber e pensar o mundo, pensar o que acontece como decorrência de relações de causa e efeito é uma maneira prática, obtusa, autorreferenciada e cômoda de viver e se relacionar com fatos e pessoas. Esse comodismo facilita o dia a dia tanto quanto incapacita a autonomia e a definição. Achar que tudo depende de A ou de B, que as situações têm causas determinadas, facilita ao transformar o mundo em um grande teclado onde se pode criar sinais, senhas e certezas, entretanto, essa facilidade é amputadora, pois para tonalizar ou enfatizar A ou B nega a multiplicidade de outras variáveis que emergem.

Determinar causas resulta de cortes aleatórios, resulta de ignorar processos contínuos, dividindo-os arbitrariamente. Essa atitude gera posicionamentos, cria medos, tanto quanto pode gerar certezas e confiança. É uma faca de dois gumes que tudo corta e que corta de qualquer jeito.

Não havendo globalização das variáveis e processos, não há como entendê-los, nem como participar deles, a menos que as pessoas sejam questionadas, modificando assim suas atitudes. Empacotados e emparedados os indivíduos pouco se locomovem e continuam como seus pais. As mudanças são mínimas e mesmo quando percebidas são reeditadas por meio de explicações já garantidas. Desse modo mantêm-se certezas, medos e a necessidade de mais garantias, de bodes expiatórios que tudo expliquem, de atitudes polarizadas em torno de certo, errado, bom, ruim. Vida engessada, rigidez e relacionamentos potencialmente conflitivos.

Açambarcar totalidades é o que se exige para que se consiga apreender as implicações processuais. Quando isso não se faz aumenta a massa de robôs, autômatos, seduzidos e polarizados pelas meias verdades oferecidas pelos grandes temores e ameaças criadas como pontos de convergência. Não há autonomia, não há segurança. Isso muda quando se questiona, quando se descobre as centralizações, quando as polarizações daí decorrentes são apreendidas e os processos configurados.

O determinismo que o pensamento causalista possibilita é sedutor: achar que todo desacerto da vida foi causado pela morte prematura do marido, por exemplo, ou por não ter conseguido passar no tão desejado concurso, é atribuir pontos cegos e arbitrar condições determinantes, definitivas. Os cortes abruptos apenas alienam das ordens constituintes, mas também, nas suas implicações, quando elas são apreendidas permitem mudanças.

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