Prudência (2)



Atitudes prudentes são sempre expressões, até mesmo sintomas, de medo ou de coragem. Essa dualidade antagônica pode ser entendida quando se configura o prolongamento do ponto que unifica a contradição. A cautela que caracteriza a prudência pode estar encobrindo medos e ambições ou impulsionando coragem e transformações.

Ter uma meta, objetivo ou sonho desvinculado da própria realidade e contextos estruturantes, obriga à busca de apoios, sejam como empréstimo ou adoção. Pedir, conseguir o empréstimo nem sempre é fácil, requer astúcia fantasiada de prudência. O astucioso tem sempre medo de ter seus objetivos descobertos. Seus propósitos, se revelados, fracassam, e assim seriam negados ou imitados; daí astucia, medo, covardia, prudência serem seus aliados, seus instrumentos, suas armas de guerra. Quanto maior a prudência, maior a possibilidade de conseguir, de enganar.

Prudência diante do emaranhado de desvios, das nuances arbitrarias que impedem a livre realização da autonomia, das denuncias, das mudanças gera os corajosos, os que dizem o óbvio negado: “o rei está nu”. Todos sabiam, ninguém tinha coragem de falar, era a prudência que os silenciava, tanto quanto foi a mesma - a prudência - que gerou o clamor, a denuncia que tudo modificou. A denuncia gerada pela prudente organização da realidade cria mudança. Quando se grita, se denuncia, se mostra a nudez do rei - de todos conhecida - já não é mais possível mentir. Vemos situações correntes disso quando, nas famílias, são desnudados abusos e mentiras do pai, por exemplo, cumpliciadas pela mãe e outros familiares. É prudente exigir, gritar, mostrar o que ocorre mesmo destruindo a harmonia familiar e social. Para tanto é necessário organizar as configurações a fim de que os gritos e clamores não sejam neutralizados, e sim, sejam ouvidos e considerados.

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