Depressão, ansiedade e pandemia - Perspectivas de vida diante de impasses



O futuro, o que está por acontecer é sempre uma decorrência do que está acontecendo, do presente, que por sua vez é continuidade do que aconteceu, do passado. A vivência, a percepção do inesperado decorre de percepções, de constatações descontinuadas, isto é, continuadas em outras dimensões, direções, decorrências. A decorrência de A é sempre A', A'', A'''... An. Nada está isolado. As combinações e arranjos que fazemos estabelecem outras continuidades e descontinuidades.

Vivenciar o que está acontecendo como promessa, insinuação, possibilidade do que está por vir é ampliador de vivências, de constatações e possibilidades. Quando as vivências se esgotam em si mesmas, quando não apontam para nada, os limites são estabelecidos. Esses inesperados são vitalizadores ou desvitalizadores. O que esmaga, o que oprime, também explicita potenciais de mudança.

Definidos os limites, as perspectivas de vida podem diminuir ou desaparecer, tanto quanto pela insurgência, pela revolta diante dos limitadores, as perspectivas podem ser aumentadas, ampliadas. As antecipações que diminuem ou que ampliam são prolongamentos arbitrários do que está ocorrendo.

Quais os artifícios que permitem diminuir ou ampliar perspectivas de vida? Tudo vai depender da relação entre o que é percebido e quem percebe. Essa relação, essa intencionalidade é configuradora de medo, omissão, retração, ou de coragem, voracidade, ansiedade.

Nos últimos anos, a pandemia da Covid-19 tem funcionado como limite definidor de comportamentos. Aceitar o que acontece, não aglomerar, ficar em casa, é a maneira de se preservar e preservar outros de contágios; é também, pelo limite de vivências, a maneira de perceber, de encontrar a surpresa, o jogo marcado. Os próximos passos, até mesmo a morte, são visualizados, e isso traz, geralmente, constatação de finitude, acarretando medo ou dinamização para enfrentar e organizar demandas.

A não aceitação do limite - não sair, ficar em casa - geralmente é causada por pensamentos como: "já que tudo vai acabar, vamos aproveitar". Achar que tudo terminaria cria, em última análise, depressão, desânimo, ou ansiedade e ânimo. Achar que não existe continuidade faz parar, tanto quanto excita para aproveitar os últimos momentos, o pouco que sobra. O que existe de comum nessas duas atitudes é a contabilização, a verificação pragmática do que se dispõe ou não dispõe. Esse fazer as contas é atitude arbitrária que motiva comportamentos. É não ser espontâneo, é não se deter no que acontece, é o esticar-se sempre para o depois como maneira de garantir vantagens. Nesse sentido, limites - no caso negação da pandemia - são bastante expressivos, captam e expõem as engrenagens redutoras do humano, do seus processos, abrindo mão de ser, de estar no mundo.

Rolados, tragados e detidos pelo que acontece, os indivíduos se despersonalizam, se negam e revelam como os limites destroem o outro, o mundo, tudo que está em sua volta: existem apenas pontos de intercepção, redemoinhos que acenam para vórtices aniquiladores - seja, pelo desespero de nada mais ter a fazer, seja pelo "tudo está aí por viver, vamos aproveitar". Não se deter no que acontece enquanto acontecimento é sempre neutralizador de perspectivas, fica-se reduzido a viver nos desejos, medos e constatações.

Crises climáticas, epidemias, guerras, separações, abandonos são sempre limitadores, geram impasses e exigem que sejam transformados em referenciais a partir dos quais as realidades configuradoras das limitações são transformadas. Viver sem a mãe, sem o pai, sem apoios é desolador e ameaçador. É preciso se deter na desolação para que sejam superados os deslocamentos de supostas ameaças. Ser abandonado a uma realidade é estar só, e a partir disso é que tudo passa a ser configurador, é o que está existindo e não há o que lamentar. A guerra, por exemplo, é o apagar de tudo que é familiar, útil e necessário. Novas veredas devem ser trilhadas. Nas epidemias, resistir é o que se coloca, tanto quanto evitar apoios amortecedores, que são responsáveis por ilusões.

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