Neurose e contingência



Viver em função de valores, de resultados justificadores do próprio existir é se condenar à mecanização. Esses ajustes sociais capacitam para bons comportamentos que sempre vão trazer resultados satisfatórios e reconhecidos pela sociedade, tanto quanto cada vez mais alienam o humano de sua humanidade.

A questão não é vencer, a questão não é ser aceito. Colocar a vida nesses parâmetros é negar quaisquer possibilidades de transformação. É o estar sempre esperando a remissão dos atos, a justificativa do existir. Geralmente esse processo é encontrado, é exercido como disfarce da não aceitação de complexos, sentimentos de inadequação e aspectos considerados inferiores. Reconhecer em si mesmo, e não aceitar, algo que é socialmente desconsiderado e querer ser considerado e aceito pelos outros, assim como querer ter os mesmos direitos dos que controlam e determinam status cria constantemente busca de realização e superação de impedimentos. Esse querer fazer diferença é responsável pelo estabelecimento das vítimas, dos revoltados e até mesmo dos lutadores, dos opositores do que os oprimem. Querer tomar o lugar do opressor cria também opressores, caso não seja questionada e transformada as relações da opressão. A mera substituição para "o jogo das vantagens e prejuízos" e ter os mesmos direitos, é alienador, pois tudo é exercido e gira em torno e em função de contingências alienantes.

Transformar valores, quebrar apoios, mudar lugares, posições é o que transforma contingências. Caso isso não se realize, apenas surge a "troca de cadeiras" durante a música, iguais, indicando quantos pares conseguiram as novas habilitações, as novas posições. Transpor contingências situacionais não é a maneira de transformar regras alienantes. A questão não é ocupar lugares privilegiados, a questão é quebrar a contingência que tudo posiciona em melhores e em piores.

Nas vivências psicológicas, o importante não é conseguir, sem frustrações e impotências, realizar desejos; o fundamental é questionar os panoramas individuais que possibilitaram e engendraram o escape dos desejos, a criação dos sonhos e padrões estruturantes do medo, da opressão, das vivências incapacitadoras e alienantes. Quanto maior a admissão de saídas, quanto maior a pontualização, menor a libertação do que está amedrontando e alienando.

Não querer o lugar do opressor é o primeiro passo para destroná-lo. Perceber a própria desumanização, perceber o estar orientado para padrões e valores alienantes é a maneira de transformar contingências, limites. É o contar com o que se é, com o que se tem para realização do estar vivo, cheio de possibilidades, cheio de medos e desejos. Essa constatação é o primeiro passo da mudança. A partir desse momento é estabelecido o início da mudança, da transformação.

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