O insurgente transformado em bode expiatório

 


 

Frequentemente, nas famílias, nas comunidades e até mesmo na sociedade surgem situações nas quais se deseja o desaparecimento de indivíduos ou grupos para trazer bem estar, calma e prosperidade. O filho drogado, delinquente, que rouba, que agride irmãos, avós e pais, que quebra objetos em casa, quando oferecido como vítima propiciatória e é morto pela prepotência policial, por exemplo, gera alívio, bem estar e tranquilidade. Nos grupos de trabalho ou nas escolas, às vezes tem alguém que reage contra injustiças, contra prepotências do patrão ou arbitrariedade de professores e essa reação o isola fazendo com que ele seja considerado ameaçador quando punições ao grupo são esboçadas. Inicialmente a reação contra opressão e injustiça é aplaudida, entretanto, à medida que surgem ameaças que a todos atingem, como corte de salários, demissões, corte de água e luz das casas etc. aparecem também pressões dentro do grupo para que o insurgente se desculpe e se redima. A vítima, o injustiçado e agredido que se rebela, quando não cede passa a ser visto como insidioso, ruim, aquele que tudo faz para destruir a tranquilidade do grupo, da família, da comunidade.

Ter um filho subversivo nos anos da ditadura brasileira era, em muitas famílias, a mancha, a vergonha, a ameaça. Não se criticava torturadores, mas se criticava os que lutavam pelo fim da opressão e da ditadura. Também é conhecido o desespero causado quando se denuncia o pastor ou o padre amigo. Espera-se que todos finjam que nada foi visto, e que calem diante do que oprime para que a ordem estabelecida não seja quebrada, mesmo que isso implique na continuidade da exploração e alienação.

Maias, Incas, Yorubas, Bantus eram exímios nas artes de utilizar as vítimas propiciatórias ritualmente sacrificadas. Destruir um, desde que vários sejam mantidos, é o lema. Essa redução dos processos humanos à quantificação é lesiva e foi isso que instalou a sobrevivência como objetivo fundamental do humano, consequentemente reduzindo-o à satisfação de suas necessidades básicas: fome, sede, sexo e sono.

É importante não esquecer que Jesus Cristo foi um insurgente, uma vítima propiciatória e que também se torna bode expiatório quando seu nome é utilizado em vão: vide proselitismos cristãos católicos e evangélicos, e o dia a dia de fé, esperança e caridade que anestesiam e assolam nossa sociedade.

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