Questionamento e dedicação

 


Vivenciar o presente requer dedicação ao mesmo. É pela consideração aos limites, aos prazeres, aos medos e dificuldades que se estrutura a dedicação e a disciplina, tanto quanto a fruição ou expurgo do que acontece. Andar exige, inicialmente, por os pés no chão e em seguida estabelecer direção. Essa sinalização de caminhos é orientação e dinâmica, tanto quanto limite e repetição sistemática que automatiza. Toda vivência pressupõe encontro, determinação, escape, incerteza. Ao considerar apenas aspectos das vivências, se desestrutura totalidades, se desestrutura o que presentifica. A vivência do presente é a única que existe, embora seja também o anestesiante que apaga o que existe. Quando o presente se constitui em pensar para lembrar do que passou, ou antecipar, torcer pelo que se quer que aconteça ele se constitui em pântano, sumidouro de vivências, realidades e limites. Dedicar-se ao sonho, ao que se almeja, ao que não existe é negador da própria configuração existente. Os problemas são neutralizados ficando apenas a torcida pelos bons finais, pelos bons resultados, mas os participantes desaparecem ao virar plateia de si mesmos, do que almejam obter. Essa divisão, obtida graças à negação do que ocorre - do presente - lança o indivíduo em outros universos sem ao menos preparar suas habilidades, apesar de seus fortes desejos, mas que por definição o aniquilam. Querer completar o que lhe falta, querer ter o que não tem - desejar - é a faca que o eviscera. Surgem máquinas, robôs, artefatos nas famílias e culturas, que lutam por conseguir realizar seus desejos, suprindo faltas e carências. É apenas por meio de vivências consistentes, consequentemente questionantes, que se realiza o estar no mundo, que se caminha, que se estrutura como disponibilidade e aceitação. Vivenciar o limite é transformador quando a ele se está dedicado e é esmagador quando ele é negado, quando se busca destruí-lo de qualquer forma.

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