Ira

 


Sentir-se irado, raivoso é uma das reconfigurações de dinâmicas psicológicas criadas por novos posicionamentos. Ter raiva ou a constante vontade de destruir resulta do acúmulo de frustrações e fracassos, obnubilando, solapando perspectivas. 

Entregue a si mesmo, sem vislumbre de saída para realização de seus objetivos, o indivíduo transforma os outros que não o ajudam ou apoiam, em obstáculos, objetos a serem neutralizados. A ideia de supressão ou anulação como maneira de dominar e reinar é em si contraditória. Todo rei precisa de súditos. Entretanto, quando os mesmos existem, em alguns casos, o reinado e o rei são destruídos. 

Nada deve atrapalhar, e a consequência dessa postura é estabelecer uma regra régia para sobreviver, que consiste em destruir tudo que é diferente de si próprio, e também o semelhante que é o espelho que desmascara. Na sutileza desse processo se desenrola o drama destrutivo. Não querer deixar rastros, destruir todos os indícios, faz com que o indivíduo se desfigure. Ele sabe apenas que tem a arma na mão prestes a destruir para conseguir o que deseja.

O posicionamento raivoso se faz concomitantemente com o processo despersonalizador. Odiar o outro, querer destruí-lo, implica sempre em apagar o semelhante, ou seja, a si mesmo. O outro que nos constitui é percebido, nesses casos, como o outro que destrói, desumaniza e vitimiza, por isso precisa sumir, precisa ser erradicado. De tanto matar, de tanto odiar, o indivíduo se transforma em objeto, em faca, revolver, lei, regra e dogma. É a raiva que destrói pessoas, famílias e culturas. Extinguir o que impede o próprio lucro é a regra. Nas famílias, o matricídio, parricídio, feminicídio são exemplos dessa estruturação na qual o indivíduo é reduzido a desejos frustrados ou a desejos constantemente acicatados: buscar a droga viciante que faz esquecer o monstro que se sente ser, e que de tão escondido, vira apenas a alfinetada que impulsiona.

É bom considerar que os posicionamentos raivosos podem explicar vários distúrbios sociais, tanto quanto casos de depressão e de suicídio. Inúmeras violências podem ser diminuídas quando a raiva é questionada, dinamizada.

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