Encapsulado

 




Sentir-se encapsulado é uma das reconfigurações de dinâmicas psicológicas criadas por novos posicionamentos. Esse posicionamento, responsável por conter ou ocultar vivências, desejos e constatações cria descontinuidades e assim faz com que o indivíduo encubra suas reais dificuldades, problemas, frustrações e medos. 

É engenhoso encapsular vivências, constatações e percepções; estar constantemente a cortar e organizar, a superar e etiquetar (ressignificar). Uma das características principais desse posicionamento é o ato de encobrir. Ao embrulhar, etiquetar, organizar e guardar, se esquece, pois se encobriu o que estava espalhado, se ocultou o que parecia anômalo. 

Nesse contexto, o trabalho, que vira motivação, é este: encaixar e definir para guardar e arquivar. Posicionado nesse universo, tudo que acontece só significa quando encontra seu complemento análogo, semelhante. É o eterno "symbolon" que na antiguidade grega era um sinal de encontro e reconhecimento (quando dois amigos se separavam eles quebravam qualquer objeto - uma vara, uma joia, uma argila etc. - e cada um seguia com sua metade, e quando voltavam a se reencontrar tinham que apresentar cada um sua parte, que combinando, encaixando uma na outra, revelava suas identidades, selando o encontro com todos os seus significados).

Sem encaixe não se reconhece, não existe, não significa, vive-se no reino metafísico do ser e do não ser. A vida de agora, o presente, não existe, nada se sente e falta sentido. O sentido surge assim que as vivências são encaixadas e catalogadas, isto é, assim que tudo é ocupado por regras e convenções estabelecidas. 

Uma das implicações desse processo é que só se sente o que se pode sentir ou é autorizado a sentir. A circunstancialização do que se sente, do que se percebe, em função de suas etiquetas e referências, encobre, encapsula motivações e decisões. Complexidade é a constante que tudo emperra, e mesmo assim a vida continua, dela se participa ao conseguir assisti-la. 

Esse processo, participar/assistir, é frequentemente difícil de ser categorizado, definido. Às vezes é confundido com ajuste perfeito e outras vezes com um espectro do autismo. Quando não resolvido é o ser refugiado, encapsulado, protegido com total engenhosidade frente às tempestades vivenciadas. Shakespeare, na Tempestade, com Próspero e Caliban, delineia essa questão, entretanto, quando lembramos desses personagens percebemos que Próspero e Caliban são aspectos da mesma pessoa. Paradoxalmente mandar e obedecer estão contidos no mesmo ser.

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