Colisões

 




Sempre que se sai da rota traçada sem prestar atenção, sem questionar impedimentos e obstáculos surge colisão. Esbarrar, colidir pode ser sinônimo de ser desatento, de destruir, tanto quanto de libertar e transformar. O pé que pisa, a mão que submete, o grito que organiza são invisíveis aglutinadores de despersonalização. Viver apenas para ter conforto e tranquilidade pode ser uma perigosa escolha, pois enfraquece, transforma o indivíduo em um ser abrigado, suportado, cuidado, realizado. Esse apassivamento é sempre custoso. Abrir mão da criatividade, da espontaneidade e liberdade é o que geralmente configura o bem estar. Por mais ampla que seja a prisão, por mais confortável e infinita que seja sua extensão, é sempre resultado de compromisso, acertos ou fixação em vitórias almejadas e conseguidas. É uma antecipação do fim. Tudo que era necessário foi conseguido. Resta usufruir e cuidar. Filhos, leis e sociedades aí estão para validar essa vitória.

A vida continua mas o prazer de ter vencido e mantido é entediante, alienador. Perde-se os próprios referenciais, vivencia-se referências compartilhadas e agora substitutivas dos desejos e medos anteriores. As realizações são sempre inversões desde que construídas em prolongamentos, em desejos identificadores. A individualidade é substituída pela identidade satisfatoriamente exibida. Quando o ser humano vira matéria para construção de si mesmo, algo é questionável, no mínimo o estrondo da colisão, o agudo som do desejo realizado, da vitória alcançada*.

Arar, plantar, colher são etapas do processo. Quando etapas são reduzidas aos valores, aos resultados, alguma coisa se quebra, se desvitaliza e mecanismos de uso e escravidão própria ou dos outros são estabelecidos.

* Não há como não lembrar do livro "A Morte de Ivan Ilitch", de Liev Tolstói e do "Som e Fúria", de W. Faulkner

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