Esquematização cotidiana


 

Viver em função de regras, esquemas, propósitos, resultados e manutenção de rotinas é desgastante, angustiante e entristecedor. Vida é dinâmica, sequência. Entretanto essa dinâmica pode estar engaiolada. Presa nos trilhos do antes, agora e depois, do fazer e do manter, a vida é quase equivalente ao bater de estacas construtor dos edifícios.

 

Existem regras, obrigações, trabalho, esquemas, mas além disso deve haver a antítese dos mesmos: o espontâneo, o divertido, a novidade, o que surpreende, o que acontece por acontecer, quando acontece. É o encontro entre fluidez/rigidez que tece o cotidiano. Um cotidiano continuado se for tudo fluido, tanto quanto um cotidiano previsível, igual e alienador quando tudo encaixa no programado.

 

A continuidade, a diversidade do estar no mundo é uma dinâmica, requer estabilização, ajustes, mas sempre deve possibilitar um potencial de novidade. É a liberdade, o inesperado que cria diversão, amor, tanto quanto dificuldades, desencontros. Essa diversidade nos anima, desanima, mas nos faz sentir vivos, participantes, ao invés de meras peças da engrenagem. Cotidianamente alguém talvez se sinta sozinho depois de um trabalho diário, monótono, de conferir validações, seguros, voltado para preenchimento de protocolos, e na continuidade do dia muda esse sentimento ao lidar com outras realidades, voltar para casa e reencontrar aconchego, tranquilidade, surpresas e felicidade.

 

Esse sim/não, para lá e para cá, é o que quebra a monotonia da manutenção e cria a dinâmica da expressão, da liberdade, do encontro, que é a abertura para o outro, para si e para o mundo, para o trabalho, assim como para a repetição que tudo mantém, tudo organiza e transforma.

 

Reduzir tudo à mecanização, à esquematização do necessário transforma o indivíduo em robô. É necessário o sopro, o alento do outro, do estar com, para que tudo brilhe e dinamize o estar no mundo. Participar, estar com o outro, estar com outros, é uma maneira de não se robotizar, não virar robô programado pelas próprias frustrações, medos e tristezas resultantes de desejos falhados.

 

 

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