Construção de imagens – explicitação de ideias
Imagem criada com o Tome AI App.
Algumas das maneiras mais criativas e diretas que o homem tem para comunicar percepções são a fala, gestos, expressões faciais, corporais e desenhos. Os desenhos, as imagens recriadas e trabalhadas permitem inumeráveis criações: do alfabeto, com seus caracteres, a diversas formas e delineamentos. A evolução contínua dos gestos açambarca todo o universo da expressão humana, configurando novos referenciais, e um dos principais é o que se convencionou chamar de arte: das Cavernas de Lascaux às representações icônicas de santos e madonas, até as histórias em quadrinhos, se produziu arquivos do que se viu, se olhou, se percebeu, se transmitiu. É a nossa história, é o que permite abstração e constatação.
Hoje em dia, grande parte desse acervo é capturado, guardado, codificado pelos bancos de dados, alimentando os programas de inteligência artificial (IA), os chatbots. Ao alcance de todos, dispositivos de IA são o novo “Google” de artes, de criatividade e das hibridações.
Outro dia busquei um chatbot de IA específico para imagens e pedi um desenho com o seguinte comando: quero uma imagem que expresse integração, autonomia e felicidade; e veio:
Em seguida pedi um desenho que contivesse homem, pássaro e árvore:
Pedi também uma cidade
do futuro, um macaco comendo banana, e um macaco comendo banana em
uma cidade do futuro:
É engraçado ver o que surge quando se considera que o todo é a soma das partes. Acontece que o todo não é a soma das partes. A superposição de contextos é sempre um aleatório arbitrário que reduz situações e sistemas. É o império da distorção, é equivalente ao faz de conta, simulacro de felicidade que impera em certas pessoas que lutam para conseguir dinheiro, que lutam para ser amadas e também para realizar desejos, sem perceber que apenas estão se estrangulando pelo que as situam. O autorreferenciamento equivale à plataforma, ao chatbot que tudo aglutina, produz e reproduz.
É necessário antítese, não se pode colher sem plantar, tampouco se pode dividir a humanidade entre plantadores e colhedores. O dar e receber, o estar conseguindo com o outro neutralizado passivamente é um processo que estabelece dinâmica que configura e reconfigura. Imaginem como serão os processos criativos daqui por diante, resultantes de misturas, recebendo o que se pede para ser misturado, construído! Se conseguirá, no nível artístico, no nível da criação, o que já existe no nível dos relacionamentos contingentes, autorreferenciados e “neuróticos”, nos quais se obtém o afeto que se pode pagar, disfarçado sob inúmeras reconfigurações: da Barbie ao bom e velho Clint Eastwood ou Tom Cruise.
Os padrões, os protótipos, os modelos sempre foram referenciais seguros para a despersonalização humana, e agora ancoramos, encalhamos, na “arte”, na visualização, configuração e plastificação de ideias: chatbots de inteligência artificial.
Vivemos como se a Coca-Cola, causa do bem-estar, ou como se a margarina, que sinaliza a família feliz, fossem modelos definidores. Protótipos, velhos arquétipos, tanto quanto novas imagens passam a ser misturadas no liquidificador computacional. O trabalho “artístico” fica mais fácil, o produto final menos caro, mas a beleza não salvará o mundo, como pensava Dostoiévski.
Psicologicamente, criar artifícios, programas computacionais que exibem e acentuam distorções vinculadas à ideia de todo como soma de partes, além de não apreender a globalidade, a realidade fenomênica, é, para a arte, para a criatividade e imaginação humanas, tão nocivo e despersonalizador quanto a ideia de que existem seres superiores, seres inferiores, situações perfeitas e imperfeitas, enfim, tomar o perfeito e o imperfeito, o valor, a regra, o preconceito como fundamentos das motivações humanas. Vivemos em um mundo dividido e atravessado por lutas significadas pela manipulação do poder econômico, das regras e dogmas sociais, e essa estrutura manipuladora é como o chatbot de IA que tudo cataloga e agrupa. Isso agora se espalha e até a criatividade, nossa possível fuga desse referencial limitado nesse mundo contingente, cai nas plataformas tecnológicas. É o equivalente à redução do humano ao que ele veste, à sua aparência, ao que ele apresenta, ao que ele obedece e segue sem questionamento, sem discernimento. É o limite construindo e aprisionando.
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