A armadilha da superação
O desejo de ultrapassar ou neutralizar obstáculos é uma das mais legítimas condições de superação, entretanto essa legitimidade se ancora em desejo. Ancorar no flutuante - no desejo - é em si um entrave a qualquer possibilidade de mudança, apesar de ser um forte alarde, um grito contra o fato de estar submisso, aprisionado a obstáculos imobilizadores.
Superar vicissitudes físicas, orgânicas, que invalidam o comportamento e o desempenho físico, depende de constante aceitação de limites e paciência diante da demorada melhora e remoção desses mesmos limites por meio de exercícios e remédios. Esse é um embate diário com o que é limitante, e é o que traz transformação ou mudança.
Nem sempre a questão da superação é decorrente de impactos e dificuldades ligadas a contingências e circunstâncias limitadoras. Frequentemente ouvimos e sabemos dos desejos e motivações de superação em relação aos impedimentos, dificuldades oriundas da não aceitação. Por exemplo: o desejo de superar a timidez, superar o medo dos outros, que são sempre sintomas esclarecedores de não aceitação. Ao não se aceitar de determinada forma, com determinado aspecto, determinada origem social e/ou econômica, cria-se motivação para copiar, para lutar e conseguir chegar no lado bom das ilhas isoladas. Copiar os vitoriosos, usar marcas e modelos de luxo é frequentemente um dos determinantes de motivações comportamentais. Ser capaz de conseguir e mostrar o que é conseguido e usado por pessoas de sucesso, traz luz e cria aspectos iluminadores dos caminhos para os pódios, os locais de sucesso. Nessa luta, superar é vivenciado como sinônimo de copiar, fazer igual e é por meio dessa imitação que se espera ser aceito, ser considerado e vencer. Esse comportamento de imitação é esvaziador, despersonalizador e infelizmente ele é encontrado em todas as instâncias sociais. Crianças no jardim de infância, alunos de mestrado, executivos em suas empresas, donas de casa em seus contatos com vizinhos, esmeram-se nesse colar-copiar que desestrutura e despersonaliza.
A perda de autenticidade e legitimidade cria fileiras de revoltados/vitoriosos empoderados pela superação, pela luta do que se deseja que ponha ordem com poder, brilhando e comandando.
Impossível validar como autênticos os mecanismos criadores do desejo de superação, pois os mesmos resultam sempre da não aceitação do que existe, do que se vive; são portanto, os geradores de desejo, meta, que não são mais que abismos, impossibilitando local e forma onde desejos podem ser realizados. E assim, nesse vazio que preenche esse antagonismo irreal, o indivíduo se nutre de cópias e modelos, que quanto mais adotados, copiados, mais aniquilam sua espontaneidade, sua individualidade, promovendo máscaras que escondem roubos, usuras, mentiras e o implacável “tudo fazer” para conseguir ser o que não se é e passar a ser o que se deseja ser. Em outras palavras: artificialidade, mentira, despersonalização, máscara que esconde o humano que precisa ser desenvolvido.
belíssimo 'approach; falta nos sim, profundidade
ResponderExcluirObrigada Alvaro.
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