Pragmatismo inútil

 



No mundo moderno é cada vez mais comum morar só, viver distante de amigos, conhecidos ou parentes. Olhar em volta e se encontrar sozinho, saber que não se tem quem encontrar, quem ouça, é, às vezes desesperador, tanto quanto apenas é uma constatação do que acontece. Essas situações, desespero e constatação, aparentemente diferentes, são iguais quando considerados os níveis em que elas se estruturam. Perceber-se só é o que existe em comum nos dois casos, as diferenças se iniciam ao avaliar o que é sublinhado, enfatizado no que ocorre. Perceber a solidão e com isso se desesperar acontece quando a mesma é filtrada por lentes pragmáticas ou culpadas. Ter um objetivo, uma meta ou ambição e a ela se dedicar é um pragmatismo validado pelos resultados, mas que engessa as possibilidades relacionais de estar com os outros. Na culpa, tampa da impotência, tudo é justificado e a procura de perdão, redenção dos atos, explicação dos mesmos, é uma constante.

 

Não ter onde ou em quem se apoiar, não ter quem ajude, quem socorra, é desanimador. Essa expectativa de ser socorrido e ajudado, quando não oferece perspectiva de realização, frustra, ameaça e deprime. Acontece que esperar ajuda, solidariedade, companhia é um dos propósitos que mais coisifica o outro. Nesse sentido é possível entender quanto os ideais de estruturar família, criar filhos podem ser questionáveis. Ter o filho para ter alguém que cuide quando precisar é alienador, transforma seres em objetos, mesmo sendo os mais cuidados e desejados.

 

Perceber a solidão pode ser simplesmente perceber que está sozinho. Não há significado, pois medos e expectativas nada desenham, nada acrescentam ao que ocorre. Não há decepção, não há arrependimento, existe apenas a constatação de estar só. Nesse caso não há desespero, medo, regozijo, satisfação, não existem essas valorações positivas, negativas acerca do que ocorre. Acontece o que acontece e assim a continuidade do estar no mundo se atualiza. Permanências, vigências abruptas de interrupção, de manutenção são sinais, às vezes molduras descritivas de trajetórias. A vida sempre continua, o estar no mundo é uma constante que desespera ou integra, desumaniza ou possibilita autonomia, a depender dos processos estruturados de aceitação ou não aceitação de estar no mundo.

Comentários

  1. Tão verdadeiro tudo o que vc escreve. Incita cliques na minha mente/corpo. bjs

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  2. Recomenda-se pragmaticamente entre outras atividades (exercícios físicos, alimentação saudável, atividade intelectual) para cuidar de si no envelhecimento, a socialização, evitar a solidão. Sua observação sobre a solidão sugere uma abordagem mais filosófica e existencial. A percepção de estar só, quando desprovida de medos, expectativas e valorações, pode ser vista simplesmente como um estado de ser. Nessa visão, a solidão não carrega necessariamente um peso negativo ou positivo; é apenas um fato existencial.

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    Respostas
    1. Tudo vai depender da pessoa aceitar ou não aceitar sua realidade, seus limites.

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    2. Certo. Aceitar os próprios limites requer o desenvolvimento de autoconhecimento.

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