Pilares contraditórios

 

 

 

“Não chame atenção, faça tudo para não causar inveja, medo, raiva”.

“Brilhe, chame atenção, ocupe seu lugar, seja o melhor, o mais valorizado”.

 

Culturas, comunidades, famílias em geral são sustentadas e esmagadas por esses dois pilares. Desde as linhas de produção econômica, desde as defesas e conquistas territoriais, até os núcleos íntimos estruturantes das comunidades, das famílias ou ainda do indivíduo com ele próprio, os limites são essas orientações antagônicas. Evite e lute, esconda e mostre. Antagonismos básicos, crivos dilacerantes cortando em pedaços a vida desses seres. Desse modo o que se ensina é fingir, garantir o devido, não perder oportunidades. Estar sempre apto para aproveitar é “não deixar passar o cavalo selado”. Essa divisão é a cisão dos processos individualizantes. À depender de como se vivencia essas contradições, as divisões podem ser inúmeras, como podem também ficar reduzidas a quatro, duas divisões. Conflitos, despersonalizações se estruturam. Procura-se tudo decidir, regular, sempre aproveitar o bem maior, não perder vantagens que apareçam. Bandidos, heróis, diabos e santos passam e povoam nosso cotidiano, revestidos de diversas roupagens. É o religioso, é o digital influencer, é o político, é tudo que pode orientar para um lado ou outro. Não há propósito de unificar divisões, o que se propõe é sempre escolher o melhor, evitar o pior, descobrir o melhor lado.

 

Propósitos unificadores geralmente surgem por meio de questionamentos filosóficos, psicológicos, ou gritos utópicos, fora da realidade, impedidos e criticados apesar de exatos, pois quebram os vidros, as lentes distorcedoras do percebido.

 

Só pela unificação da divisão, do contraditório é que a continuidade se restabelece, possibilitando percepções não distorcidas, não estruturadas em parcialização de vantagens e desvantagens. Estar dividido é estar em pedaços, é estar coisificado, desumanizado. Viver desse modo é uma função do que deve ser conquistado, realizado ou descartado, superado. Fazer com que o humano se desfigure no desumano faz com que as necessidades ultrapassem e destruam as possibilidades relacionais humanas.

Comentários

  1. Seu artigo me levou a pensar em na genealogia da loucura descrita por Miche Foucault. Seria a genealogia da desumanização.

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    1. Augusto, melhor pensar em estrutura. Genealogia remete a origem, implica em causa e efeito, unilateraliza - distorce.

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  2. Pensei em como a sociedade atual chegou aonde produz o que você descreveu. A estrutura permite distorção ou clareza aprisiona ou liberta. Grato Vera, ler o que você escreve sempre me dá alimento pro pensamento,

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