DIVIDIR – é o fazer de conta

 

 

Para haver participação é necessário haver espontaneidade. É preciso concordância, vivência junta de erros, acertos, possibilidades realizadas e impossibilidades superadas ou aceitas. Igualdade é o fundamento da participação, consequentemente não há direitos, nem deveres.

 

Não existindo legitimidade começam as atribuições, estabelecendo-se assim, direitos e deveres. As regras impostas criam superiores, inferiores, líderes e seguidores. Não há mais participação, o que existe é comando e obediência. Líderes e liderados, pregadores e ouvintes, gurus e seguidores, organizadores e militantes. A ordem estruturante é quebrada, dividida em função dos propósitos. Há o que manda, o que tudo entende, e o que é mandado, que tudo obedece. Dividir para governar, criar facções, grupos, pontos, polos de discussão é a regra básica para organizar o que se considera campo minado, que tem que ser conquistado e transformado. Dividir é quebrar  rigidez e impossibilidades, é também quebrar e desviar forças indicativas do que poderia ser antítese, e, assim, destruir imposições arbitrarias.

 

Dividir é espalhar o veneno do contraditório, do inventado para negar realidades. Preconceitos, regras, medos, castigo, desde o lobisomem para a criança dormir ou para não sair de casa e obedecer aos pais, até outras alusões estigmáticas e ameaçadoras, são assim estruturados. Ameaças de castigo se constituem no pomo da discórdia que é disputado, quem ganhar leva, não importa o que, pois premio é premio e assim se governa famílias e sociedades. Esse sentido do premio, do resultado, da vitória, é o embuste eficiente para diversas pessoas e sociedades, é também a maneira de negar os próprios infernos causados pela ganância, inveja, medo, raiva e ciúme. Ser premiado, vencer, é o que importa. Nem se sabe o que está sendo construído, nem se sabe o que está sendo destruído. Nada se sabe, apenas se resume resultados e desejos: chega-se ao medo, ao vazio, à despersonalização. Finalmente, acreditando ter se chegado às grandes limpezas de indesejáveis e atrapalhadores do considerado bem-estar. Não se pensa mais em seres humanos, se pensa no que ajuda, no que atrapalha. É bom lembrar de toda a política atual em relação aos imigrantes, por exemplo. É o dividir para governar levado às últimas consequências, nesse sentido o ser humano que morre é, por exemplo, vivenciado como “menos um para me atrapalhar, para dividir o pouco/muito que tenho”.

 

A divisão transforma a percepção da realidade, faz com que o que existe signifique apenas como extrapolação de desejos, medos ou inveja.

 


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