PONTUALIZAÇÃO – poço de insegurança

 


Reduzido a massa de manobra, o indivíduo alienado e despersonalizado busca apenas o melhor encaixe. Os processos de adaptação propostos pela sociedade realizam e até propiciam e determinam esse processo de despersonalização. A massa de reivindicações é tão extensa que começa a se constituir em material passível de legislação estatal, a fim de grupos e minorias conseguirem vantagens, melhores encaixes. Essa convergência abrange todo o sistema. As comunidades, as escolas, o ensino, tudo se endereça para isso: melhoria, amplos e confortáveis encaixes. É a grande comunidade que desumaniza. Não há mais afeto, não há criatividade, desde que tudo está comprometido com o resultado viabilizador da manutenção de seu próprio sistema. As artes e ciências estão voltadas para melhorar e ampliar as condições do ajuste. Compromisso é o que tudo decide e ratifica. Contratos, acertos, acordos, conveniências, inconveniências decidem o que se faz, quando e como. É o padrão, é o algoritmo, é a plataforma, são as big techs que tudo comandam, navegando no mar do fake, do inventado, do engajado.

 

A dicotomização do que ocorre picota o nosso mundo, nossos contextos e referenciais. Juntar pedaços, entender a melhor direção é o que se coloca como tarefa. É o Prometeu não redimido, é o Sísifo acicatado. É o ilusório tingido de real e negado como tal. É o saber que se sabe, pois assim não se saberia saber, enfim, é o não existir referencial além do próprio referencial substituído. Comparar, confrontar, viver ajudado pela memória do que não mais existe, é a pontualização destruidora do exercício de possibilidades. Apenas se reage, se cuida, se tenta. As varinhas de pesca são varinhas de condão, referenciais mágicos para categorizar o desempenho de quaisquer sentidos, pois flutuam como pontos, estão comprometidos e tragados pelo medo de sobreviver.

 

 


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Comentários

  1. A metáfora de Sísifo e Prometeu, que representam a luta eterna e o castigo, reforça a ideia de que o indivíduo moderno está preso em um ciclo de esforços sem sentido, tentando se ajustar a um mundo fragmentado e incoerente. Esse "ajuste" imposto pelo sistema não busca a realização pessoal, mas sim a conformidade a um padrão que despersonaliza e aliena. Embora a autora não apresente explicitamente uma solução, talvez possamos inferir que a saída esteja na resistência à alienação, buscando autenticidade, criatividade, e formas de vida mais humanas e conscientes, tanto individual quanto coletivamente.

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    1. A saída é sempre realizada através de questionamento, o que é muito difícil pois implica em globalização das contradições, daí os ajustes parcializados.

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