É preciso ler, é preciso sair das telinhas

 

 

Trocar o celular pelo livro. Essa obviedade se torna um imperativo. É a maneira de mudar o quadro atual de servidão às telas, de transformar essa predominância de horas diárias submetidas à lives e programas sinalizadores do que se deve ou não se deve fazer, do que é bom, útil ou inútil. Assolados por avalanches de informações e estímulos digitais, que sequestram a atenção e automatizam comportamentos, também vivemos um momento caótico de ruptura de referenciais e de validade do comunicado. Nesse caos, nessa luta é importante ler livros, pois é a maneira de sair da esfera de sugestões dirigidas, de adquirir conhecimento, de perceber o contraditório, tanto quanto de explorar o existente antes dele ser filtrado pelos critérios de venda, de proselitismos  que incrementam a cooptação para aumentar fileiras de compradores, ou de seguidores, apoiadores e crentes de supostos salvadores: os Messias encadernados, congelados para usos convenientes.

Livro pode ser abertura, tanto quanto prisão. Quem leu, gostou e seguiu Mein Kampf (Minha Luta, de Adolf Hitler) se transformou e se posicionou como exterminador, destruidor de povos e países. Ler é descobrir, e quando isso não acontece, ou ainda, quando a leitura é gradeada, essa prisão em plataforma do que se quer comunicar é alienante. São os panfletos, os flyers, os anúncios, os banners, as leituras programadas das plataformas digitais, são os compêndios de autoajuda ou de classificações aprisionantes de nossos entendimentos e questionamentos.

Ler é fundamental pois questiona ao oferecer novas perspectivas, abordagens do que existe, do que se deseja, do que se nega, do que se odeia. Nesse sentido, o livro é um dos melhores filtros, freios e aceleradores inventados para captar, ampliar ou destruir massa de conhecimentos. Passar a vida lendo o mesmo livro, ou autores que explicam como a "Terra é plana", por exemplo, é equivalente à restrição cotidiana da liberdade de pensar, de escolher. Encontrar Júlio Verne, Homero, Kafka, ou Joseph Conrad em A Loucura de Almayer, livro no qual você sente tempestades e ar quente, vivenciando as paisagens da Malásia, é mergulhar em outras realidades. A leitura sempre amplia horizontes, mesmo quando é restritiva, quando é som de uma nota só, pois a repetição destaca e faz descobrir uma definida pessoa, e assim muitos questionamentos e consequentes mudanças podem surgir.

O livro é a chave que abre novas portas, configura perguntas, possibilitando respostas. Ele, na realidade, é o objeto que facilita esse acesso, embora não o esgote. Ter livros, ler livros, é ter acesso, é ter possibilidade de ampliação de conhecimento e também de críticas, de antíteses aos mesmos. O livro não esgota todo o potencial de contextos, épocas, dificuldades e facilidades que o estruturam. 

Como dizia Castro Alves, poeta libertário, em seu poema “O Livro e a América”:

... O livro caindo n'alma
É germe
– que faz a palma,
É chuva
– que faz o mar.
Vós, que o templo das idéias
Largo
abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções
...”

Ler é, assim, pregnante, cria uma dinâmica que permite distinguir o que acontece, entender o que é bem feito, o que é mediano e o que é abominável para ler. Sabemos que nada é isolado, portanto, não é o livro que tudo muda, é a atitude, a motivação que cria o encontro, no caso com o livro, com toda a realidade que ele retrata, esconde ou propicia. O conhecimento resumido, configurado em um livro, pode também existir enquanto diálogo, enquanto prolongamentos perceptivos. Nesse momento vemos que pensar – ir além do dado – é a transposição continuadora do estar no mundo com o outro. É diálogo, é dúvida (afirmação negada que possibilita pergunta), é o que faz girar a roda, é a dinâmica dos processos, é descoberta.

 📕

Meu livro mais recente: "Autismo em Perspectiva na Psicoterapia Gestaltista", Editora Ideias & Letras, São Paulo, 2024


📌À venda nas livrarias, para compra na Amazon, aqui 

📌 Para compra no Site da Editora Ideias & Letras, clique aqui



Comentários

Os mais lidos

Polarização e Asno de Buridan

Oprimidos e submissos

Sonho e mentiras

Formação de identidade

Zeitgeist ou espírito da época

Mistério e obviedade

Misantropo

A ignorância é um sistema

Percepção de si e do outro

“É milagre ou ciência?”