Obrigações sociais
Geralmente, o que significa vivência cidadã é transformada - pelas estruturas psicológicas de problemas não resolvidos ou de não aceitações - em compromissos, em obrigações que não podem, não devem ser transgredidas. Achar que a sociedade exige o padrão de comportamento para a esfera sexual, por exemplo, e ainda arbitrar que a transgressão do mesmo causa problemas para os outros, é próprio dos indivíduos despersonalizados que se seguram nas aparências como tábua de salvação.
Os valores morais variam com o tempo, com as sociedades, com as culturas, principalmente no que se refere ao comportamento sexual. Século passado, primeira metade do século XX, era comum, no interior do Brasil, por exemplo, garotas que engravidassem serem expulsas de casa, pois seus pais não podiam conviver com o opróbrio e decepção de ter uma filha desvirginada. As “filhas faltosas”, as que erravam, eram jogadas à rua, tinham que viver na prostituição, considerado um caminho por elas escolhido ao desobedecer aos pais. Filhos homossexuais, principalmente homens, deveriam ser mortos, no mínimo expulsos de suas casas e cidades. Não importava o que a eles acontecesse, o que se queria era livrar a família, a cidade da vergonha que eles significavam. Adultérios femininos também eram punidos. Essa moral, geralmente vista como provinciana, era frequente. Muitas pessoas, muitas vidas foram destruídas. Para manter as aparências, não ter nenhuma “vergonha” na família, se excomungava, deportava e até matava filhas, filhos, irmãos e irmãs.
A moral do compromisso é destituída de afeto, pois não existe legitimidade quando se está submetido às aparências, ao faz de conta. As pessoas evitam tudo que não é considerado bom, mesmo que isso signifique destruir o que mais consideram.
Quando a obrigação social substitui o lidar com o outro enquanto ele próprio e independente de valores e regras, surgem avaliação e arcaica manutenção de preconceitos que esvaziam as possibilidades relacionais humanas. O outro é percebido como o que está de acordo com o exigido, e quando não cabe nos padrões deve ser decapitado, esfacelado. Essa atitude lembra a cama de Procusto que tudo mede e destrói. Procusto era um criminoso que atraia pessoas e as fazia deitar em um leito, se fossem grandes lhes cortava o pescoço e a cabeça, se fossem pequenas quebrava-lhes os ossos para estica-las. É o exemplo de intolerância, de maldade ao tentar encaixar o indivíduo em parâmetros usualmente estabelecidos. Essa atitude criminosa é a inclemência e o preconceito que tudo arruínam, inclusive ao criar os “lugares de fala” ou os pedestais amplificadores de mensagens.
O contexto, o contrato social, via de regra, exila possibilidades humanas da individualização ao incentivá-las e estimulá-las a fazer parte da manada distribuidora de vantagens para sobreviver. Perder o critério de escolha, perder a possibilidade de assumir o não, tanto quanto o sim, é um dos principais fatores neurotizantes e responsáveis pelas distopias contemporâneas.
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