Por que algumas mulheres que são espancadas pelos companheiros, continuam com eles?
As sínteses, os resultados são gerados pelas contradições inerentes ao processo - é a dialética da relação senhor-escravo, citada por Hegel, retomada por Marx quando falava que o processo de exploração exercido pelo patrão (o explorador) sobre o empregado (o explorado) é aplacado pela satisfação de necessidades propiciadas pelo explorador. Em meu livro Mudança e Psicoterapia Gestaltista eu resumo esta dialética dos processos ao dizer que "o que apoia oprime".
O companheiro que espanca a mulher é o mesmo que apoia, que sustenta, que dá status, que dá jóias ou comida.
Por que mulheres são oprimidas? Por que não se vê homens espancados por mulheres? Existem diversas respostas, desde a explicação que considera a fraqueza física da mulher em relação ao homem; a histórica questão socio-econômica que sempre permitiu ao homem a condição de provedor; a passividade, a sensibilidade feminina; afirmações do tipo "os homens são de Marte (agressivos) as mulheres são de Vênus (passivas)", até frases como a de Nelson Rodrigues "toda mulher gosta de apanhar".
Sabemos que a mulher só suporta apanhar quando está submetida, sem perspectiva, acuada, sem saída.
A mulher, o homem ou qualquer ser vivo só se submete, só suporta seja o que for, quando não percebe possibilidades de saída. Não existe antítese, o ângulo é zero, sem resultante.
Para algumas mulheres, o companheiro que espanca é o que a alimenta ou o que dá carros e jóias; para outras o companheiro é tão importante e valioso que pode fazer o que quiser, desde que continue com ela. A submissão é sempre um escamoteador de vantagens. Apanhar é a moeda de transação, é o que permite ser alguém na vida, permite ter status social, ter comida ou até sentir o calor da pancada como afago, como carinho. Sempre que há submissão há degradação humana, vira-se objeto.
Apesar de transformado em objeto, sempre se é um ser humano transformado em coisa, em sobrevivente. Pode ser resgatado, pode haver mudança. Um dos primeiros passos para a mudança é a existência de contextos que questionem a situação. Uma lei, como a conhecida "Lei Maria da Penha", por exemplo, abre perspectivas. Comentários alicerçados em ordens selvagens, autoritárias e machistas, ou como o de Nelson Rodrigues (mulher gosta de apanhar), fecham a saída ao transformar o problema, ser espancada, em justificativa para espancar.
O indivíduo, quando posicionado e degradado, perde a dignidade, rasteja por afeto, esconde a verdade para não desmanchar o castelo de mentiras que frequentemente mantém seus relacionamentos familiares e profissionais. Filhos criados em contextos de submissão serão mais tarde os que batem, os que apanham, os que corrompem e são corrompidos.
Às vezes considera-se uma pessoa "livre" por não depender economicamente de ninguém, mas, ela pode ter dinheiro etc e estar submetida à droga, ao vício, a 'n' formas de submissão psicológica. Infelizmente essa submissão nem sempre é vista assim, é normalmente vista como "escolha", identificação individual de liberdade e poder. Quando os processos, os contextos, as estruturas são esquecidas, surgem discursos deterministas, causalistas e mágicos para explicar os fatos, explicar os comportamentos humanos. Livre não é quem faz o que quer, querer não é poder e não se está sozinho com os outros, tanto quanto submissão não é aceitação.
A mulher que apanha é bode expiatório, objeto de deslocamento da raiva e impotência do outro e isso não é um problema dela, não é submissão. Continuando a apanhar, submete-se. A submissão sim, é um problema dela.
Autonomia é o que resolve as situações de submissão. A autonomia pode começar a ser conseguida quando se percebe que se está submetido. É uma antítese que leva a mudança; vale para o estar submetido a maus tratos, tanto quanto a estar submetido ao conformismo gerado pela satisfação de necessidades.
Inicia-se a autonomia quando se quebra a submissão, a cumplicidade mantida pela conveniência.
verafelicidade@gmail.com
Li todo o texto, esperando qdo vc iria citar a influência dessa agressividade sobre os filhos. Penso que isso seja a ser uma influência cultural. Tive uma moça que trabalhou para mim, e que sabíamos sua mãe apanhava do marido, anos depois essa moça casou-se e cfe vc frisou bem, era completamente dependente financeiramente do marido, ela tbem apanhava do marido e entendia que "era assim". Ou seja de tanto ver sua mãe sofrer era normal que ela sofresse. E tão forte esta influência, que mesmo com a divulgação, deste ato como crime, elas não denunciam seus maridos.
ResponderExcluirOi Raquel, submissos e obrimidos percebem o mundo a partir disto e geram ambientes estruturados nestas polaridades, é clássico. O seu exemplo ilustra isto. Abraços.
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