Inteligência, ferramenta ou habilidade?

A velha questão dualista sobre inato e adquirido sempre foi um fantasma constante dentro das abordagens psicológicas; nada explica, mas persiste, criando círculos viciosos, tautologias reponsáveis por opiniões, teses, criação de escolas e saberes corporativos.

Humanos e animais - seres no mundo - percebem, decidem, agem. O processo perceptivo é comum a ambos, embora restrito aos humanos quando se trata de constatação da constatação, percepção das próprias percepções. Os animais constatam, percebem que percebem, mas não têm estrutura neurológica apta a armazenar e relacionar estas constatações, percepção de percepções; não dispõem de abstrações significativas e conceituais como os humanos.

Inteligência é insight, apreensão súbita de relações, implicando em constatação de contradições, reconhecimento e continuidade perceptiva. Esta percepção do insinuado é possível graças à reversibilidade entre Figura e Fundo, possibilitadora de closura. Comumente, inteligência é sinonimizada com esperteza, treinamento educacional, expressão cultural; nesse sentido ela é avaliada como um bem adquirido, uma ferramenta útil à sobrevivência. Outros pensam que ela é uma habilidade, um dom que se traz, graças aos genes ou às experiências de vidas passadas.

Inteligência é reestruturação de campo, transformação e ampliação do dado a perceber em paisagem, referência para novas percepções - destaques.

Diante da própria coisa, do fenômeno, do que aparece e se evidencia, encontramos inúmeros caminhos de continuidade - nada se esgota em si mesmo - tudo possibilita algo desde que não se limite a circunstâncias e necessidades, desde que se ultrapasse as necessidades. Querer, por exemplo, em uma emergência, abrir um armário de remédios sem a chave, produz impasses ou criatividade, tudo vai depender da inteligência, da transcendência dos limites postos, da manutenção dos limites apostos e situações contraditórias opostas. O definidor da inteligência é mobilidade, não fixidez, não rigidez.

Quanto maior a flexibilidade, mais frequente será o comportamento inteligente (é a apreensão da contradição que unifica). Não pensar, não lembrar, se deter no que está diante, no percebido é a vara de salto que possibilita comportamento criativo, inteligencia.

Situações limites podem produzir comportamentos inteligentes, bastante diferentes dos típicos de toda uma vida. A confluência de resultados é polarizante, tanto como obstáculo, como quanto criação de outras percepções; percepções novas e por isso mesmo inteligentes.

















- "Psicologia da Inteligência" de Jean Piaget
- "Productive Thinking" de Max Wertheimer


verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Vera, esse texto é muito interessante. Gostei bastante.
    Eu pensava em inteligência como um dom e no meu modo de pensar, julgava algumas pessoas como não inteligentes, mas lendo seu texto, vejo que inteligência tem tudo a ver com aceitação e que essas pessoas que julgava não muito inteligentes por não compreenderem certos argumentos, linhas de raciocínio, na verdade estão presar a referenciais, não são flexíveis, querem garantir o conseguido etc...
    O mesmo acontece comigo, quantas vezes eu já disse que me sinto tão burra e não entendo o que você fala? Isso acontece com bastante frequência quando estou congestionada, em altas crises!
    Beijos.

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    1. Oi Natasha,

      Bom que o texto possibilitou este insight para você.
      Beijos,
      Vera

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  2. É isso aí. "Quanto maior a flexibilidade, mais frequente será o comportamento inteligente". Considerando que o conceito de flexibilidade seja amplamente abrangente, dificulta para muitos quando confrontam com a ideia equivocada da "personalidade forte" como sinônimo de inflexibilidade ou casmurrice, pra não dizer burrice, ou falta de inteligência.

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  3. Oi Nivaldo,

    A mistura de conceitos é sempre danosa. Tipificar personalidade (forte e fraca) e entender como personalidade flexivel e inflexivel, é um exemplo disto, como você citou.

    Abraço, Vera

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