Um lugar ao sol
Um lugar ao sol é o que geralmente se deseja, embora sempre se tenha esse lugar. Querer o destaque, o brilho, ser considerado é o que se almeja quando não há satisfação com os limites vivenciados.
Somos criados, educados para “ser alguém”, para fazer diferença e significar, ultrapassando as dificuldades ou facilidades existentes. Famílias social e economicamente bem situadas desejam e se esforçam para que seus descendentes mantenham os padrões conseguidos. Famílias social e economicamente com fracos acessos e com decisões cooptadas lutam para que seus filhos sejam diferentes, para que consigam sobressair e atingir melhor situação. Esses desejos estabelecem metas, referenciais de futuro, que passam a ser os contextos estruturantes das motivações e dos desejos, das decisões e empreendimentos. Surgem os lutadores, os esforçados, os que tudo fazem para manter o patrimônio herdado, ou buscado, mesmo sacrificando as próprias vontades. Querer ser alguém é, implicitamente, admitir não ser ninguém, é expressar não aceitações estruturantes dos conhecidos complexos de inferioridade e auto-estima diminuida.
Esse processo cria susceptibilidade frequentemente confundida com sensibilidade. Amassados pelos constantes esforços, desequilibrados pela submissão às conveniências, passam a significar, mesmo que apenas como vítimas. É por meio da vitimização que conseguem olhares carinhosos, perdões, redenção de atos - um lugar ao sol.
Viver para conseguir algo que justifique estar vivo é maneira infalível de se alienar. Transformar-se em objeto de admiração e adoração destrói a própria humanidade, criando autômatos, marionetes conduzidas pelos propósitos de sucesso e reconhecimento.
Ter um lugar ao sol, ter poder de mando e comando em algumas sociedades africanas geralmente é expresso pelas cadeiras, tronos cativos, enquanto nas sociedades democráticas e modernas, o lugar ao sol é representado pelo brilho do poder, do dinheiro e ainda pelas vitórias em competições, pelas visualizações incomensuráveis das redes e youtube, por exemplo.
Querer o brilho para encobrir a opacidade é forma frequente de não aceitação: cria imagens aceitáveis a fim de esconder tudo o que infelicita, tudo o que não se aceita. Esse “dourar de pílula” é bastante questionável, pois parte de um paradoxo, uma incoerência: “querer ser aceito, exatamente por não se aceitar”. A contradição desequilibra e aumenta a necessidade de posicionamento e de estabilidade, de um lugar ao sol, que diminui e esconde trevas amedrontadoras, tanto quanto cria ilusões: aparências que enganam e seduzem.
- “A Visão Dionisíaca do Mundo” de Friedrich Nietzsche
verafelicidade@gmail.com
Muito boa reflexão! Compartilho com esse pensamento.
ResponderExcluirObrigada,
ExcluirVera