Interrupção e violência

A meta não realizada, o empenho não concretizado cria uma interrupção que leva a fazer qualquer coisa para completá-lo.

Defrontar-se com o incompleto geralmente cria motivação para a realização de tarefas interrompidas. Tudo que permanece não realizado, ou parcialmente realizado, se estabelece como incompleto. O que falta à sua realização decorre de interrupção.

Situações interrompidas podem ser percebidas como tal quando existem propósitos. Tudo que é determinado para ser feito, ao não ser completado, cria interrupção. O propósito, desejo ou meta de realização cria uma idéia-fixa, um fanatismo responsável por violências e utilização de quaisquer meios para realizar o que se considera interrompido.

Muitas situações interrompidas jamais são percebidas como tal, pois não criam referenciais de processos, e sim percepções de mera junção ou aglutinação ocasional.

A continuidade de afetos e ligações amorosas, por exemplo, pode ser considerada nesses referenciais de interrupções percebidas ou de ocorrências descontínuas, pontuais, jamais percebidas como interrupções, pois apenas significavam encontros circunstanciais, aderências necessárias à manutenção de outras continuidades.

Viver com propósito, em função de objetivos não contextualizados no dia a dia, faz com que tudo que acontece seja efêmero e despropositado. Atingir os desejos, realizar as metas polariza as vivências e determina os significados do que é válido, real e verdadeiro. Conviver com mortes, perdas, por exemplo, pode nada significar quando elas apenas se colocam como obstáculos às realizações aspiradas. Não há luto, não há tristeza: existe apenas a sensação de retardo, obstáculos ao que se pretendia, chegando a situações de crueldade, conveniência e oportunismos desenfreados a serem antecipados para que se realizem propósitos e desejos. Essa desumanização é muito frequente nas lutas de poder e nas conhecidas disputas entre organizações criminosas - entre si ou contra o Estado - assim como nas torturas exercidas pelo Estado e nas disputas políticas institucionalizadas, nas quais reputações e posições de poder precisam ser salvas. O torturador, por exemplo, apenas se sente realizando seu trabalho, cumprindo sua obrigação, em nenhum momento questiona a monstruosidade de seu ato. A falta de perspectivas, a falta de ampliação de vivências por meio de questionamentos transforma o ser humano em um autômato, programado para execução de tarefas e trabalhos.

Aferir o sentido e significado de seres humanos pela sua importância social e econômica, enfim, valorar o humano como mercadoria é transformá-lo em objeto aprovado ou desaprovado, segundo suas vantagens e desvantagens. Esta interrupção de vivências relacionais pontualiza o outro em um foco de manipulação para objetivos pessoais, instalando assim, a violência.

Infanticídios, transformação de pessoas em fonte de renda, por meio da venda de seus órgãos ou exploração sexual, são fatos que estão sempre mostrando crueldade e desumanização. Transformar o outro em moeda utilizada para realização dos próprios desejos, sonhos e necessidades é transformar-se em monstro, em não humano. Os diversos holocaustos, genocídios sofridos por vários povos ao longo da história são demonstrativos explícitos desse processo. Infelizmente, no dia a dia das cidades, das famílias, esse uso e violentação ocorre sob as mais deversas formas, desde utilizar o outro para os próprios interesses - venda de pessoas para o tráfico de drogas e sexo - até dedicar-se ao outro como causa e finalidade da vida, transformado-se em objeto de afeto, em coisa receptora, como acontece na dependência paterna/materna ou filial, que aliena, despersonaliza e interrompe o processo do existir autêntico, livre e com autonomia. Sem perceber as implicações dessa atitude são criados seres dependentes, seres problemáticos. São omissões responsáveis por mais alienação, massificação e violência.




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