Desapego


 

Aconselhamentos religiosos e orientações espiritualistas propõem desapego como neutralização de sofrimentos baseando-se na ideia de estar protegido e definido por algo além de si que justifica o sacrifício de deixar, de largar o que se tem afeição, libertando-se para um caminho direcionado a metas espirituais. Nesse contexto, buscar o desapego é negar afetos e condição material como características humanas, e assim, a busca do desapego torna-se mais um elemento de pressão e repressão, gerador de culpa e medo. Desapegar-se, nessas visões, implica sempre em ir além deste mundo, buscando outros considerados paradisíacos que redimem culpas e dificuldades. 

O desapego é também muito frequente nos estados depressivos: nada interessa, nada significa, não existe sentido na continuidade, tampouco nas novidades e surpresas.

Apoios, segurança e significados entravam processos graças às polarizações, às confluências realizadas por sonhos, desejos e propósitos. Viver é lutar, viver é superar, viver é aceitar são os rótulos, as senhas que escondem fragmentações e omissões, tentando funcionar como alavancas, como estímulos para ação e mudança. 

Vivenciar o presente sem utilizá-lo em função de metas e objetivos futuros, tanto quanto não o vivenciar respaldado no passado, aponta sempre para novas dimensões. Disponibilidade depende de não estar autorreferenciado. Perceber o outro e o que está em volta autorreferenciadamente é responsável pela decepção, desesperança e insatisfação de desejos.

Ficar inteiro, entregue às descobertas, participando do que acontece é um desprendimento, e isso descortina e endereça para as nuances do que ocorre, recriando assim a continuidade da sequência do estar-no-mundo-com-os-outros. É não estar autorreferenciado - portanto, desapegado dos próprios referenciais -,  é o estar solto que cria entusiasmo e participação no que se vivencia.

Necessário não estar olhando para trás, nem buscando pelo futuro, pelo que se deseja ou teme.

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