Percepção de si e do outro


A percepção de si e do outro é uma temática relevante em psicologia. As abordagens a este tema fundamentam psicoterapias.

Freud achava que o outro era percebido em função de desejos, medos e anseios, era a projeção de demandas do inconsciente, e isso era o que lhe dava significado. Nesse sentido, na psicanálise a percepção do outro é uma projeção de motivações e comportamentos inconscientes.

Diversamente, para mim, perceber o outro é uma consequência de estar no mundo. Esse simples fato, entretanto, pode ser uma resultante condensadora de inúmeras contextualizações. A variedade de contextos à partir dos quais o outro é percebido é imensa, embora possam ser significadas, condensadas em seus estruturantes: o outro é percebido como prolongamento de autorreferenciamento ou como presença que expressa outras relações e significados.

O outro é o que está aí, diante. É o destacado que será significado enquanto ser, enquanto surpresa implícita, ou visualizado como coisa cujas funções são mantidas ou negadas. A não percepção do outro enquanto ele próprio, caracteriza o processo de coisificação do mesmo. Impasses no relacionamento são criados ao se quebrar a dinâmica eu/outro. Esse desencontro esvazia o relacionamento à medida que o direcionamento é feito para funções e propósitos específicos. É assim que surgem papeis, personagens, imagens e consequentemente vazios relacionais. A mãe que cuida, o pai que protege são fundamentais enquanto funcionamento e bastante esvaziados de dinâmica relacional quando posicionados e imobilizados nessas funções. O mundo sem surpresas, a vida na qual tudo está estabelecido, ou nada está estabelecido, cria desencontros relacionais. Virar móvel, utensílio necessário é uma maneira de desumanizar o relacionamento. Casamentos úteis nos quais existe funcionalidade necessária e apoios perfeitos são desprovidos de colorido, de amor, de integração, de espontaneidade, nada é novo, nada surpreende, tudo é mantido para bem funcionar e apoiar.

O outro é antítese, é discórdia, tanto quanto é harmonia. A continuidade das vivências e encontros possibilitam sempre descobertas, questionamentos que promovem mudança ou impotência (posicionamentos redutores abismais nos relacionamentos, principalmente nos familiares e conjugais).

A mudança de atitude em relação ao outro acontece quando se questiona o próprio autorreferenciamento, ou ainda quando se percebe a disponibilidade - possibilidade infinita - do conviver com o outro não marcado por sinalizações apriorísticas, frequentemente preconceituosas e discriminadoras.

Comentários

  1. Gratidão - obrigado por nos auxiliar nessa construção que é feita um dia após o outro, conhecer a si, o outro, conviver, aprender a aprender, ser, aprender a fazer, ouvir , escutara e uma escuta qualificada , uma grandeza, mesmo não sendo psicólogo, sou especialista em aconselhamento pastoral e familiar, psicopedagogo clínico e institucional e amo a psicanálise, bem assim a psicologia, parabéns aos nobres e as nobres colegas, sucesso ao blog e cada colega que está sempre nessa construção e busca pela formação continuada.

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