O em si
Kant afirmava que a coisa-em-si jamais poderia ser conhecida, pois não há um absoluto configurador. Para ele, é sempre por meio de outros conceitos, situações ou pessoas que a coisa-em-si é conhecida.
Nem sempre os psicólogos pensam nos fundamentos epistemológicos das questões com as quais estão lidando. Para mim, entretanto, a abordagem epistemológica se impõe ao lidar com as estruturas perceptivas na própria prática terapêutica. Entendo que só por meio dos estudos da percepção é possível configurar o Ser, o Eu, o Si mesmo, tanto quanto o medo e a esperança, por exemplo.
Não há o em si, não há a coisa-em-si, não há o absoluto, tudo que existe, existe enquanto relação. O estar diante, o estar com, o pensar sobre, o perceber o que ocorre são os dados relacionais que configuram e contextualizam. Não existe o absoluto, ou, o único absoluto é o relativo. Só há sombra se houver luz, morte caso haja vida, enfim, os opostos se continuam, gerando unidades polarizadoras. Os polos são aspectos da unidade. O dois é dois um. O quantitativo é a trajetória do qualitativo. Dividir é uma maneira de controlar e de suprir as dificuldades das apreensões, da globalização.
Amedrontados diante do limite, do finito cria-se o espaço do além, do outro, do depois. Isso é bem representado, por exemplo, na ideia de outra vida, outro mundo, outro ser, Deus. A não aceitação da finitude cria também parâmetros de continuidade, como os filhos ou as obras criadas. Admitir essa finitude exigiu absolutos confortadores. O depois é uma necessidade de esticar o agora e quando isso acontece negando o esticado criam-se parâmetros e limites esvaziadores apesar das aparentes complementações sugeridas. O que está aqui, o ser assim, o existir como, são os definidores dos processos relacionais. É a fluidez, a massa da água, a quantidade do ar, a movimentação ígnea que situam o habitado, o terreno. Essa base é o dado relacional jamais passível de ser subtraído dos processos relacionais, embora seja sempre negado. Impossível enxergar o chão que se pisa, ainda que sempre se saiba que se está pisando no mesmo. Saber ou perceber estabelece convergência e divergência, embaralha e dá continuidade. São os processos definidores do estar-no-mundo-com-o-outro. É o dado relacional que tudo esclarece ou escamoteia, afirma ou nega a depender de sua contextualização e inserções processuais nas situações. Destacar ou seccionar é cortar, intervir segundo outros critérios, outras redes processuais. A constante relatividade é o absoluto definidor do processo de estar-no-mundo-com-o-outro, consigo mesmo. Nesse movimento, o em si salta do encontro: é o ponto de confluência que a cada momento se modifica, se afirma, se nega. É o dado relacional. Nesse sentido, é o em si do processo humano.
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