Percepção do Outro - o outro percebido como complemento (satisfação de necessidades) IV
"As metades da laranja" que se encontram, as almas gêmeas, o reencontro, todas essas ideias animam a busca por satisfação de necessidades e realização de projetos de vida por meio do outro, ou seja, com ajuda, participação do outro. É a ideia de reencontro que valida o encontro, mas esse prévio invalida a vivencia presentificada. Nessa distorção sempre tem que haver uma base, uma plataforma identitária comum para que se processe a convivência. O prévio justifica e antecede o acontecimento. Isso é a contravenção total em função dos desejos de realização.
O outro como complemento é também a expectativa que justifica o querer o outro para realizar o que não se tem condição. As próprias incapacidades e dificuldades serão sanadas pelo parceiro rico, por exemplo, ou em certos contextos os acessos serão atingidos pelo outro acostumado a sobreviver com feras ou com despossuídos, situações nas quais acessar as quadrilhas ou os grandes salões e corporações, se torna viável quando o outro é a senha que possibilita a entrada. Assim o outro transformado em objeto é a chave que tudo abre, é o conhecedor de mundos, como os luxuosos, que possibilita vivenciar o que não se podia, o que não se tinha condição. Cinderela, Pigmaleão, Branca de Neve, Alice, povoam o imaginário das pessoas. Ser o que não se é, mas que se quer, pode ser conseguido por meio do outro. O antigo "golpe do baú", atualizado pela judicialização de direitos e obrigações consensuais, heranças e casamentos explicitam a realização desses desejos.
Não aceitação da própria origem, da própria idade, da própria condição intelectual e social faz buscar o diferente como complemento, tanto quanto buscar o igual caso as dinâmicas estruturantes de ambição ou medo exijam.
As ambições - participação em função de metas e desejos - levam a procurar o diferente enquanto não aceitação básica, ao passo que o medo, a omissão fazem buscar no outro, visto como vítima dos mesmos males, ajuda, proteção para se esconder, se proteger do que maleficia. É o famoso "somos do mesmo gueto", "sofremos as mesmas ameaças".
Perceber o outro como complemento é uma maneira de se adaptar, de não se sentir um estranho no ninho, e é também conseguir condições de satisfazer e realizar os próprios desejos, diminuir medos e insegurança. É a busca do apoio. O outro é o esconderijo, ou a pele de cordeiro necessária para esconder os aspectos malignos de seus propósitos.
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