Entre verdades e mentiras, entre acertos e erros
Como saber o que é verdade e o que é mentira hoje em dia? Essa pergunta faz imediatamente pensar em fake news. Como distinguir o que é falso? Como distinguir o que é errado? Recorrer a referenciais sociais, políticos, científicos permitem essa distinção, basta procurá-los. Na pandemia da Covid-19 por exemplo, era muito fácil verificar os abusos feitos em nome da ciência e da realidade, embora essa verificação se transformasse em missão impossível para os que se situavam apenas em bem e mal, acreditando em narrativas baseadas nesse maniqueísmo.
Verdades e mentiras também remetem às noções de certo e errado, de cabível e incabível. Nesse contexto as motivações individuais precisam ser questionadas. É por meio desse questionamento que as respostas são encontradas. "Sair do armário", por exemplo, no que se refere à realização de motivações sexuais, é uma questão de ser fiel aos próprios desejos, tanto quanto implica questionamento da razão de negá-los. E assim, uma imensidão de esclarecimentos e entraves podem ser configurados.
Conflitos, perguntas, dúvidas, acerto-erro, verdade-mentira são divisões estabelecidas pela busca de outros decodificadores que não os estruturantes dos processos percebidos. Quando se coloca as motivações no contexto dualista de interno/externo se cria o falso referencial. "O que está dentro está fora" já falavam os gestaltistas. Não há dentro-fora, interno-externo. Existe o que está diante de si e que é percebido conforme os próprios limites, necessidades e possibilidades. Esse é o contexto que transforma verdades em mentiras ou vice-versa. Enganar-se, enganar decorrem do processo de autorreferenciamento. O que é percebido, o que está diante de si é o que possibilita diálogo, reflexão, pensamento, conflito, solução. Quando se lança mão de a priori, regras e preconceitos, se cai em outros referenciais que não os do que está ocorrendo. Enfim, ao vivenciar o aqui e agora, o que ocorre, sempre há verdade, encontro, sempre há presença que possibilita discernir a verdade e a mentira.
Na esfera individual, normas e regras geralmente são responsáveis pelos conflitos engendrados por distorções, contingências aniquiladoras ou niveladoras do que se vê, do que se nega. Distinguir o verdadeiro do falso é tão simples quanto saber se o pedaço de espuma ou isopor não é espaguete, basta morder, por exemplo. Enfim, ao se deparar com e constatar divisões basta aprofundá-las para esclarecê-las. Os primeiros passos para distinguir verdades de mentiras é questionar divisões organizadoras: interno/externo, desejo/medo, eu/outro, bem/mal, certo/errado, lucro/prejuízo. Organizar sempre requer manipulação, ou seja, critérios outros para organizar o que se quer, e nesse sentido a organização como resposta é sempre uma aniquilação de perguntas. Perguntar, questionar é quebrar regras, exercer possibilidades de transcender os limites. Quando esse processo é contínuo abre outros referenciais, outros horizontes. Quando transformado em regras, ferramenta de afirmação e desobediência cria autorreferenciamento e metas, e assim pergunta-se por perguntar, é o mesmo que obedecer por obedecer.
Em suma, só se sabe que se sabe, sabendo, e essa é a fenomenologia do estar no mundo, é a expressão do desejo realizado, da vida presentificada. Ficar no antes - no passado - ou no depois - nas metas de futuro - é se aprisionar nas frustrações, medos e submissão. É atingir a negação de possibilidades e lutar continuamente para satisfazer as necessidades, evitando medos e se orientando pelo poder, pelo certo, pelo bom. É o eterno ensinamento de bem e mal que tudo destrói, inclusive a crença, a ideia de Deus, a fé, a justiça e a caridade.
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