Dilemas existenciais - Sobreviver ou existir?
Quando nascemos, sobreviver ou existir é uma questão que não se coloca. Nascemos e alguém nos permite sobreviver, geralmente nossos pais, família, ou, em algumas exceções, o Estado, a Sociedade.
Nascer durante uma guerra é quase ter assegurada a morte, é difícil sobreviver. Em condições de normalidade ambiental e social, o ser humano sobrevive, e nesse sentido é orientado por seus familiares, pela sociedade em que vive. Assim, sobreviver seria um processo natural, mas que no entanto é impedido em condições extremas de falta de alimentos, de doenças endêmicas ou pandêmicas, de lutas e conflitos sociais etc.
São sutis as diferenças entre existir e sobreviver, pois tudo é orientado para satisfação e concretização de nossas demandas orgânicas. Entretanto, quando não há luta para sobreviver, surge espaço e demandas para transcendências e transformações. É o ir além da satisfação das necessidades que permite indagação. Ao fazer perguntas, o ser humano começa a filosofar, a ultrapassar o imediato, a buscar e descobrir sentidos e novos horizontes além das contingências. Ir além das circunstâncias, das contingências ou do necessário é o que possibilita descobertas, é o que endereça o humano para o infinito. Nesse sentido fica claro porque o ser humano não deve ser reduzido a viver para comer, a lutar para se manter em pé, enfim, a sobreviver e ser iludido ou alimentado pelas ilusões de que é assim que se supera e realiza “esse vale de lágrimas”.
Entregue a si próprio, sem limites a preencher ou negar, o indivíduo indaga, pergunta e descobre além das circunstâncias. É isso que o transforma em existente. É esse processo que o coloca como determinante do sentido de sua existência. É a descoberta de si mesmo – sua infinita possibilidade relacional – que o humaniza, que faz perceber o outro como seu semelhante, que faz descobrir e transformar limites amortecedores de sua liberdade e possibilidade de mudança. É o não imitar, não ser mais um “elemento da manada” que o individualiza. Não questionar, acomodar-se permite apenas sobreviver, enquanto perguntar, buscar novas sendas, estabelece liberdade: infinita possibilidade de se reconhecer, de descobrir, de existir indo além dos processos preestabelecidos para sua sedação, realização e sobrevivência. O ser humano é um sobrevivente com possibilidade de existente ou um existente com necessidade de sobrevivência. Tanto o nível de sobrevivência, quanto o nível existencial lhe são intrínsecos: o da sobrevivência é o das necessidades, e o existencial é o das possibilidades. Como sobreviventes nos adaptamos, como existentes nos transformamos.
Resumindo de uma maneira simples podemos dizer que sobreviver é responder, e existir é perguntar. A resposta pressupõe concordância ou discordância, enquanto a pergunta é a chave mestra que tudo abre, ilumina e explica.
Como humanos existimos, como animais sobrevivemos contidos nas realizações e satisfações de nossas demandas orgânicas.
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Na guerra da sedação. Respondendo sem perguntar.
ResponderExcluirParabéns!!
Essa sua constatação já abre perspectivas para você. Obrigada! Abs.
ExcluirSeu texto me fez refletir sobre a relatividade de tudo. Apesar das condições adversas de sobrevivência, Carolina Maria de Jesus (1914–1977) transcendeu sua realidade ao registrar suas vivências, criando arte que desafiou o silêncio imposto às populações marginalizadas. Sua trajetória é um exemplo de como a adversidade pode ser transformada em expressão criativa, revelando a força do espírito humano na busca por significado e transformação. Seu livro mais famoso, Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada (1960), retrata com crueza e sensibilidade a pobreza, a exclusão social e o racismo, expondo as desigualdades do Brasil com uma linguagem direta e poética.
ResponderExcluirObrigada por comentar, Augusto.
ExcluirCarolina Maria de Jesus, apesar de todos os limites e impossibilidades conseguiu ir além dos mesmos escrevendo sua biografia que denuncia e questiona todo o contexto e realidade por ela vivenciados. A implicação disso vai além dela própria, é um vetor que pode atingir e movimentar outros contextos. Psicologicamente, o importante é ela ter conseguido fazer uma biografia, isso é que é ruptura de limites.
Maravilhoso!
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