Expectativas

As expectativas são fontes geradoras de medo mesmo quando o esperado é bom e desejado. Temer o que pode acontecer de ruim, ter medo da morte por exemplo, é uma expectativa onde o espectro do ruim se impõe, mas a expectativa do desejado, a festa de formatura, por exemplo, pode também criar medo e apreensão. Toda meta esvazia, todo vazio desumaniza, cria espaços de não ser, responsável por temor.

Frequentemente as expectativas não são contidas pelos próprios limites do corpo. É comum saber dos infartos, acidentes e outros problemas físicos às vésperas da realização do grande sonho, dos casamentos próprios ou dos filhos, por exemplo.

A expectativa aponta sempre para caminhos divididos: o que é bom e o que não é. Ter expectativa é ser direcionado para avaliar e esperar e isto cria tensão e mal-estar. Esperar que tudo dê certo é aniquilado pela homogeinização perceptiva - desaparece qualquer motivação, resta apenas conferir. Quando as expectativas ainda comportam dúvidas, mais aniquilantes se tornam, pois requerem divisão para ser suportadas. A inutilidade, o despropósito cria pântanos preenchidos por dúvida, insegurança e medo. Lançar-se em confronto, tirar os pés do chão, é jogar-se no não existente. Esta falta de dimensão e referenciais nadifica.

Kierkegaard, no seu "Temor e Tremor", Heidegger em "Chemins qui ne mènent nulle part" ou Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) no seu poema "Tabacaria", expressam bem a alienação e desespero criados pelas expectativas.

Sociedades movidas por políticas manipulativas e demagógicas, cada vez mais estruturam alienação em seus membros ao manter as expectativas de melhores dias. É próprio das ditaduras e das democracias forjadas, a construção da expectativa de futuro melhor, tanto quanto do sacrifício recompensado. A crença em um além de ou além daqui é também um provedor/solucionador de expectativas e frustrações.















- "Chemins qui ne mènent nulle part" de Martin Heidegger
- "A conquista do inútil" de Werner Herzog


verafelicidade@gmail.com

Comentários

  1. Oi, Vera

    Lendo o texto, me peguei lembrando da sensação boa de umas das poucas situações em que pareço não ter expectativa – quando viajo para um lugar desconhecido. Como tudo é novo, me sinto voltando àquela sensação infantil de descobrir, os sentidos ficam aguçados... é como um oásis no turbilhão da ansiedade cotidiana.

    Nas demais situações, inclusive nas mais prosaicas, por achar que "sei o que esperar", a expectativa inquieta, direciona para a avaliação, como vc colocou. E tudo o que vem em decorrência fica sujeito ao peso de bom/ruim, fácil/difícil etc.

    Talvez a gente seja educado para ter sempre que saber o que esperar das situações, para que tenhamos também sempre uma resposta, uma saída, um "melhor jeito" de resolver as coisas. Acho que isso é esperado de uma pessoa "normal", "madura", "bem resolvida". A expectativa entra aí como parte do processo de quem absorveu essa forma de se colocar no mundo.

    Nesse contexto, as religiões são como um banquete para um estômago furado... Viver a religião como forma de manter expectativas ditas positivas é mesmo alienador e cega para o que está aqui nos cercando e acontecendo agora...

    Bem, fiquei sem entender uma coisa: quando vc diz "Lançar-se em confronto, tirar os pés do chão, é jogar-se no não existente." Como assim? Em que situação, por exemplo, alguém estaria sem os pés no chão? E não entendi a relação do entrar em confronto com o tirar os pés do chão...

    Beijo,
    Clarissa.

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    1. Oi Clarissa,

      Expectativa para você, pelo seu comentário, é gerada no pragmatismo, na utilidade.

      "Lançar-se em confronto, tirar os pés do chão, é jogar-se no não existente" é uma metáfora, não combina com pragmatismo rsrsrs, talvez isto explique a sua dificuldade de entendimento. Pense no pulo, é uma das maneiras de tirar os pés do chão ou ainda, qualquer situação sem as seguranças pragmáticas para pessoas pragmáticas é um abismo, um esvaziamento, uma perda de segurança.

      Sair da expectativa, para quem tem expectativas, é lançar-se no não existente; lançar-se em confronto é perceber o que está ocorrendo, presente, isso neutraliza a expectativa e deixa sem chão o expectante.

      Beijo,
      Vera

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  2. Oi, Vera

    Obrigada pela resposta! : )

    Sobre a metáfora, talvez eu não tenha explicado direito minha dúvida. Quando vc diz assim:

    "Lançar-se em confronto, tirar os pés do chão, é jogar-se no não existente. Esta falta de dimensão e referenciais nadifica. "

    Em qual contexto "tirar os pés do chão" nadifica? Entendi o "nadifica" como sinônimo de esvazia... Então, pensei, por que tirar os pés do chão gera vazio? Essa foi, na realidade, a dúvida. Que situação seria essa em que a pessoa não está presa ao chão – agarrada a um referencial – e se esvazia por isso? Fiz um contraponto com o vazio de estar preso a uma meta. Logo, se estar preso a uma meta esvazia, por que tirar os pés do chão também esvaziaria?

    E se não for perguntar demais... (rs) como seria uma expectativa não gerada no pragmatismo? Seria uma expectativa não relacionada a uma situação específica e imediata? Mas a expectativa em relação à vida... ao conhecimento... às relações?

    Beijo,
    Clarissa.

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    1. Oi Clarissa,

      Expectativa se relaciona a vivência antecipada, futura, implica em metas, desejos ou medos. Não tem nada a ver com pragmatismo, utilidade.

      Tirar os pés do chão esvazia quando este é o limite protetor, garantido, seguro; cria a percepção de não existente, isto é esvaziador, nadifica.

      Beijos,
      Vera

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  3. Espectativas são como as asas de Ícaro. Parece que trazem algo de novo, mas, ao final, perdem-se no vôo, como a metáfora mitológica. Abram Cheventer.

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    1. Oi Abram,

      Boa a sua reflexão, é sempre bom lembrar do mito de Ícaro.

      Beijos,
      Vera

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